Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social ) como todo o corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele também reflete e retrata uma realidade, que lhe é exterior. Tudo o que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo o que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia
(Mikhail Bakhtin, Marxismo e Filosofia de Linguagem)
Alguns comentários sobre o meio e a mensagem na internet.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Os Filhos do Caos -

'Sejamos claros: um mundo acabou, não há como voltar atrás'
Publicado em: 10/01/2016

Segundo o antropólogo Alain Bertho, o século XXI abandonou o futuro em nome da gestão do risco e do medo, indiferente à ira das gerações mais jovens.


Para combater de forma eficaz o Estado islâmico e sua oferta política de morte e desespero, "devemos refletir sobre a revolta que está na raiz desses crimes", sugere o antropólogo Alain Bertho, professor de antropologia na Universidade Paris-VIII, que prepara um livro sobre "os filhos do caos". Na raiz do mal, o fim das utopias, enterradas com o colapso de todas as correntes políticas progressistas. O século XXI abandonou o futuro em nome da gestão do risco e do medo, e indiferente à ira das gerações mais jovens. Entre um cotidiano militarizado e o julgamento final à moda jihadista, apenas "a ascensão de outra radicalidade" poderia reavivar a esperança coletiva.

Os perfis dos jovens europeus que se radicalizam e partem para a Síria para se juntar ao "Califado" do Estado islâmico, dispostos a morrer como "mártires", ou que sonham em fazê-lo, costumam suscitar a total incompreensão – ou interpretações extremamente simplistas – e, em ambos os casos, uma sensação de impotência. 

Como o Sr. analisa estes perfis?

Alain Bertho: Embora os números variem de uma estimativa para outra, pode-se afirmar que a França é o país europeu com o maior contingente no chamado Estado islâmico. Os voluntários estrangeiros do Daesh vêm de 82 países em todo o mundo. Mas nosso país tem uma relação especial com o epicentro geopolítico do caos, graças a seu passado colonial. Mas esta relação também é produto de nossas fraturas nacionais contemporâneas.

Não existe um perfil típico daqueles que partem para a Síria, o único traço comum sendo a juventude. Aproximadamente um terço são jovens convertidos ao Islã; há jovens oriundos das periferias, estigmatizados ao longo de anos; outros têm trabalho e família; alguns não freqüentavam mesquitas, apenas seus computadores. O trabalho de David Thomson, jornalista e especialista em jihadismo, é esclarecedor. Ele acompanhou e entrevistou vários jihadistas franceses. Todos relatam uma espécie de momento de revelação, que pode ser a conversão, uma ruptura e a descoberta de uma disciplina que dá sentido às suas vidas.

O sucesso do Estado islâmico se explica pelo fato de oferecer, a pessoas desestabilizadas, sentido ao mundo e à vida que podem levar. Ele lhes dá até uma missão. Por outro lado, aqueles que vêm matar e morrer no país onde nasceram e cresceram, têm um problema particular a resolver com seu país. Este conflito é pesado e vem de longe.

Mas como o Sr. explica o apelo do Estado Islâmico e de seus avatares em outros países, uma vez que seu projeto político se resume a implementar, na Síria e no Iraque, o Islã mais reacionário e intransigente que existe, enfrentando o Apocalipse e morrendo como um mártir?

Precisamos compreender que o que garante seu apelo é justamente o fato de ser uma oferta política de morte e desespero. Daí a gravidade da situação. Como diz Slavoj Zizek: “Evidentemente, é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo”. Para os jihadistas, em um mundo de caos político, moral, econômico e climático, este fim está próximo. O projeto político do Daesh dá sentido às suas jornadas em direção à morte. Oferece-lhes um destino. A esperança de libertação individual e coletiva que era a bandeira das mobilizações do passado, no jihadismo é substituída pela problemática do fim do mundo e do juízo final. Para eles, a libertação é morrer como um mártir! Por isso, são muito determinados. "Só os mártires não têm piedade nem medo e, acredite, o dia do triunfo dos mártires será o dia do incêndio universal", profetizou Jacques Lacan em 1959. E aqui estamos. Se quisermos secar a fonte do recrutamento, é preciso refletir urgentemente sobre o que produz tamanho desespero.

Qual é a diferença entre a radicalização jihadista de hoje e a radicalização política encarnada pela luta armada ou pela ação terrorista dos anos 1970?

Há uma diferença essencial de objetivos. Depois de 1968, vimos a ascensão da ação armada com o Grupo Baader-Meinhof – ou Fração do Exército Vermelho – na Alemanha, as Brigadas Vermelhas na Itália ou o grupo de extrema esquerda Kakurokyo no Japão. De seu ponto de vista, aquelas pessoas sacrificam suas vidas pelo futuro dos outros. Cometem atos criminosos fadados ao fracasso, mas no contexto de uma luta por um futuro revolucionário que eles pretendem que seja melhor. Com o Estado islâmico, não há nada deste tipo: cada um sacrifica sua vida pela morte do outro. Querem somente arrastar todo mundo para o desespero, com apenas um consolo: os apóstatas, os incrédulos, os cristãos e os judeus não vão para o céu.

O horror faz parte da estratégia, como explica o tratado "Gestão de barbárie", escrito no Iraque pelo teórico jihadista – certamente um coletivo – Abu Bakr Naji antes do surgimento do Estado islâmico. Eles não fazem a guerra para criar um estado, como numa luta pela independência: eles criam um "Estado" para fazer a guerra. O Estado Islâmico só enxerga a paz no triunfo final do califado contra seus inimigos, cada vez mais numerosos. Mas desde 2001, a idéia de "paz como objetivo de guerra" (velha concepção de Clausewitz) já não é mais válida entre as principais potências engajadas em uma "guerra sem fim" contra o terrorismo. Quais são os objetivos da guerra ou os propósitos de paz da coalizão na Síria ou no Iraque? Não sabemos. O jihadismo nos arrastou para seu próprio terreno.

Em seu ensaio em preparação sobre "filhos do caos", o Sr. explica que o jihad – ou seja, a motivação religiosa – não é o único motor da radicalização. Quais seriam os outros?

Temos um problema com o fim do século XX e do colapso do comunismo. O fim do comunismo não é apenas o fim de regimes e instituições da Europa Oriental e da Rússia, é um conjunto de referências culturais comuns a todas as correntes políticas progressistas, que desmorona. Apesar da realidade repressiva dos regimes comunistas "reais", uma transformação social era, na época, ainda percebida como possível, e era parte de uma abordagem histórica, uma ideia de progresso. O futuro era preparado hoje. A hipótese revolucionária que inaugurou a modernidade (a Revolução Francesa) foi uma referência política comum tanto para aqueles que queriam uma revolução como para aqueles que preferiram transições pacíficas e "legais". Com o colapso do comunismo e do encerramento de toda perspectiva revolucionária, foi o futuro que perdemos no caminho. É a ideia do possível que desmorona. Não estamos mais em um processo histórico. Já não se fala mais do futuro, mas da gestão de risco e de probabilidade. Gerencia-se o cotidiano através de políticos que manipulam o risco e o medo como meios de governo, seja o risco à segurança ou o risco cambial (a dívida), que falam muito de aquecimento global, mas são incapazes de antecipar a catástrofe anunciada.

Os jovens, aqueles que encarnam biológica, cultural e socialmente o futuro da humanidade, sofrem especialmente as consequências deste impasse coletivo e são particularmente maltratados. As sociedades não investem mais em seu futuro, sua educação ou nas universidades. A juventude é estigmatizada e reprimida. Países do mundo todo, do Reino Unido ao Chile, passando pelo Quênia, são marcados há anos por protestos estudantis, por vezes violentos, contra o aumento das taxas de inscrição nas universidades. Em toda parte, a morte de jovens por policiais gera revolta: veja as manifestações em Ferguson ou Baltimore, nos EUA; as três semanas de protestos na Grécia, em dezembro de 2008, após o assassinato do jovem Alexander Grigoropoulos por dois policiais; ou os cinco dias de revolta na Inglaterra após a morte de Mark Duggan, em 2011. Para estes poucos casos de protestos visíveis na mídia, existem dezenas de outros (como mostramos na entrevista "Aumento dos protestos: um fenômeno global" – em francês no link). Uma sociedade que já não consegue se reinventar leva as pessoas a manifestações de desespero e de raiva.

Com a globalização financeira, as desigualdades de renda e de riqueza se acentuam em uma velocidade inédita. Os Estados estão nas mãos dos mercados e dos financistas. As vitórias eleitorais mais progressistas podem se transformar em derrota pela simples vontade do Eurogrupo, em desprezo à vontade do povo, como os gregos experimentaram recentemente. Será que refletimos bem sobre como seria a revolta sem esperança? Essas fúrias radicais encontram-se hoje diante de tamanhos impasses que são capazes de abrir a porta a ofertas políticas de morte, como é a oferta do Estado islâmico.

É possível considerar a radicalização jihadista uma forma de revolta como outra qualquer? Ou seria mais adequado vê-la como uma nova ideologia totalitária e mortal que é preciso combater com todas as forças?

Ambos. Diante dos danos consideráveis e crimes que cometem, aqui e em todo lugar, devemos combatê-los. Mas se queremos ser eficazes, precisamos refletir sobre a revolta que está na raiz desses crimes. É preciso se perguntar o que pode levar um jovem de 20 anos de idade a se explodir ao lado de um McDonald’s em Saint-Denis (cidade da periferia parisiense). O que o leva até lá? O que podemos fazer para evitar que isso se generalize? A repressão são os bombeiros, mas temos de encontrar a origem do incêndio! Caso contrário, o recrutamento continuará, especialmente na França. A crise política é particularmente profunda em nosso país. A classe política está totalmente encerrada no espaço do poder e do Estado e cortada do resto da sociedade, em total dessintonia, e isso independentemente do partido. A política não é mais uma potência subjetiva capaz de reunir e de abrir possibilidades.

O peso e a força do movimento operário se apoiavam em sua capacidade de agregar populações variadas, incluindo imigrantes, em torno de uma esperança comum. O fim dos coletivos, da noção de classes sociais, da ideia de que existe um "nós" quase eliminou a consciência comum de uma ação ainda possível. O "Povo", tão caro a Michelet, se deslocou com o fim do fordismo e a política da cidade. A emergência das temáticas sobre a imigração e a ascensão da Frente Nacional (partido francês da extrema direita) são contemporâneas ao desaparecimento de uma subjetividade de classe unificadora. Pagamos caro por este deslocamento. Quando jovens são mortos pela ação de policiais nas periferias, constata-se a indiferença de grande parte da França. Foi o que aconteceu em 2005. O isolamento e estigmatização dos jovens dos bairros pobres levaram-nos às revoltas ocorridas em toda a França. Desde então, este isolamento e esta estigmatização só fizeram aumentar.

Se o que é preciso é oferecer possibilidades de ação, e até mesmo de revolta, contra a desigualdade, a discriminação ou a brutalidade do neoliberalismo econômico, por que os novos movimentos sociais e as formas pacíficas de protesto não seduzem mais?

Sejamos claros: um mundo acabou, e não haverá como voltar atrás. Não há espaço para nostalgia. Temos de olhar para frente e fazer um balanço das experiências do presente. Após o movimento antiglobalização no início dos anos 2000, o ano de 2011 representou uma janela de esperança. A Primavera Árabe começa em janeiro, com a morte de Mohammed Bouazizi, um jovem formado e desempregado, em Sidi Bouzid (Tunísia), e depois, em fevereiro, no Egito. Em seguida, o movimento espanhol Indignados ocupa a Puerta del Sol em Madri, em 15 de Maio. Os gregos, da mesma forma, protestam contra a austeridade, ocupando a Praça Syntagma, em Atenas. Grandes protestos também eclodem no Chile e no Senegal. Em setembro, é a vez do movimento Occupy Wall Street, contra as regras do mercado financeiro e a apropriação da riqueza nos Estados Unidos, e os acampamentos se estendem até Tel Aviv. Todas estas mobilizações da primeira geração pós-comunista abriram um espaço, mas isso não resultou, até hoje, em um movimento verdadeiro de transformação política.

O que resta hoje da primavera árabe? 

Os manifestantes sírios foram massacrados pelo regime, os líbios se matam entre eles, o Egito está quase de volta à estaca zero, e a Tunísia não consegue atender às necessidades sociais da sua população. A Tunísia é, aliás, na frente da Arábia Saudita, o país com o maior contingente entre os combatentes estrangeiros do Estado islâmico, com cerca de 3000 pessoas. Esta desilusão com a Primavera Árabe é sensível quando se observa a curva dos atentados. Ela mostra o aumento dos ataques no Oriente Médio a partir da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003. O crescimento torna-se exponencial a partir de 2012, com o fim da primavera árabe e o início do caos geopolítico no Iraque e na Síria.

Por que não emergiu nenhuma perspectiva e alternativa política? E como a esquerda, ou o que resta dela, pode combater de forma eficaz a ascensão dessa nova ideologia totalitária?

O que chamamos por muito tempo de tradução política de uma luta para a mudança foi varrido pela experiência – e os fracassos – do século XX. O poder do Estado não aparece mais como o meio de transformação que deve ser alcançado, de uma forma ou de outra. Em 2011, manifestantes que derrubam Ben Ali na Tunísia e Mubarak no Egito deixam nas mãos de outros a tarefa de assegurar a transição e governar. Estamos testemunhando mobilizações admiráveis, mas que não se transforma em um meio de tomar o poder. Que não querem tomá-lo. Elas não têm "estratégia". Por enquanto, apenas a experiência do Podemos, na Espanha, tenta transpôr a mobilização dos Indignados a uma estratégia de poder. Em outros países, os períodos eleitorais geram cada vez mais revoltas. As eleições não são mais momentos de solução pacífica de conflitos sociais, e não apenas na África. E quando não há protestos, há queda na participação eleitoral, no mundo todo.

Foi a política como espaço de mobilização popular e de construção do comum que perdemos e é o que precisamos reencontrar. Com uma ponta de provocação, digo que a urgência agora é menos a "desradicalização" e a hegemonia das marchas militares no debate político e mais a ascensão de outra radicalidade, uma radicalidade de esperança coletiva, capaz de secar na fonte o recrutamento jihadista. Temos de recuperar o sentido do futuro e do possível, e não cair na armadilha dos terroristas, que é justamente a mobilização para a guerra.

Tradução de Clarisse Meireles

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O Primata Solitário - Capitalismo, teu nome é solidão




Os seres humanos, mamíferos ultrassociais cujos cérebros precisam do estímulo do outro, estão sendo separados por mudanças tecnológicas e pela ideologia do individualismo. Este apartamento é causa de uma epidemia de doenças psíquicas

Por George Monbiot | Tradução: Inês Castilho | Imagem: Andrzej Krauze

O que poderia denunciar mais um sistema do que uma epidemia de doença mental? Pois ansiedade, estresse, depressão, fobia social, desordens alimentares, automutilação e solidão atingem cada vez mais pessoas em todo o mundo. A última ocorrência — divulgação de dados catastróficos sobre a saúde mental das crianças inglesas — reflete uma crise global.

Há muitas razões secundárias para esse sofrimento, mas a causa fundamental parece ser a mesma em todos os lugares: os seres humanos, mamíferos ultrassociais cujos cérebros estão conectados para responder uns aos outros, estão sendo separados. Mudanças econômicas e tecnológicas, assim como a ideologia, desempenham o papel principal nessa história. Embora nosso bem-estar esteja indissociavelmente ligado à vida dos outros, onde quer que estejamos dizem-nos que só prosperamos pelo auto-interesse competitivo e extremo individualismo.




No Reino Unido, homens que passaram a vida inteira em espaços públicos – na escola, na universidade, no bar, no parlamento – nos doutrinam para que permaneçamos sozinhos. O sistema educacional torna-se a cada ano mais brutalmente competitivo. O emprego é uma luta quase mortal com uma multidão de outras pessoas desesperadas caçando empregos cada vez mais raros. Os modernos feitores dos pobres atribuem à culpa individual a circunstância econômica. Intermináveis competições na televisão alimentam aspirações impossíveis, no exato momento em que as oportunidades reais estão cada vez mais reduzidas.

O consumismo preenche o vazio social. Mas, longe de curar a doença do isolamento, intensifica a comparação social a ponto de, depois de consumir todo o resto, começarmos a ser predadores de nós mesmos. As mídias sociais nos unem e nos separam, possibilitando que quantifiquemos nossa posição social e vejamos que outras pessoas têm mais amigos e seguidores do que nós.

Como Rhiannon Lucy Cosslett documentou brilhantemente, meninas e jovens mulheres alteram, como rotina, as fotos que postam para parecer mais bonitas e mais magras. Alguns celulares com dispositivos “de beleza” fazem isso sem que você peça; agora você, magra, pode tornar-se sua própria inspiração. Bem-vindo a uma distopia pós-Hobbesiana: uma guerra de todos contra todos

Haverá algum encantamento nesses mundos interiores solitários, nos quais tocar foi substituído por retocar, e mulheres jovens estão se afundando de agonia? Estudo recente realizado na Inglaterra sugere que uma em cada quatro mulheres entre 16 a 24 anos automutilaram-se e uma em cada oito sofrem de distúrbio de estresse pós-traumático. Ansiedade, depressão, fobia ou distúrbio compulsivo-obsessivo afetam 26% das mulheres nesse grupo etário. Parece ser uma crise de saúde pública.

Se a ruptura social não é tratada tão seriamente quanto um membro quebrado, é porque não podemos vê-la. Mas os neurocientistas podem. Uma série de artigos fascinantes sugere que a dor social e a dor física são processadas pelos mesmos circuitos neurais. Isso pode explicar a razão por que, em várias línguas, é difícil descrever o impacto da ruptura de vínculos sociais sem as palavras que usamos para designar injúria e dor física. Tanto em humanos quanto em outros mamíferos sociais, o contato social reduz a dor física. Essa é a razão por que abraçamos nossas crianças quando elas se machucam: o afeto é um analgésico poderoso. Opiáceos aliviam tanto a agonia física quanto a angústia da separação. Talvez isso explique a ligação entre oisolamento social e a drogadição.

Experimentos resumidos no jornal Psicologia & Comportamento do mês passado sugerem que, diante de uma escolha entre dor física ou isolamento, os mamíferos sociais escolherão a primeira. Macacos-prego mantidos sem alimento e contato por 22 horas irão juntar-se a seus companheiros antes de comer. Crianças que experimentam negligência emocional, segundo certas descobertas, sofrem piores consequências de saúde mental do que crianças que sofreram tanto negligência emocional quanto abuso físico: apesar de hedionda, a violência envolve atenção e contato. A automutilação é frequentemente usada como forma de tentar aliviar sofrimento: outra indicação de que a dor física não é tão ruim quanto a dor emocional. Como o sistema prisional sabe muito bem, uma das formais mais efetivas de tortura é o confinamento em solitária.

Não é difícil perceber quais podem ser as razões evolucionárias para a dor social. A sobrevivência entre os mamíferos sociais é significativamente ampliada quando eles estão ligados por fortes laços ao resto do grupo. Os animais isolados e marginalizados são os que mais provavelmente serão apanhados por predadores, ou morrerão de fome. Assim como a dor física nos protege de lesões físicas, a dor emocional nos protege de danos sociais. Ela nos leva a nos reconectar. Mas muita gente acha isso quase impossível.

Não é surpresa que o isolamento social esteja fortemente associado a depressão, suicídio, ansiedade, insônia, medo e percepção de ameaça. Mais surpreendente é descobrir o leque de doenças físicas que ele causa ou exacerba. Demência, pressão sanguínea alta, doenças cardíacas, AVCs, queda de resistência a vírus, até mesmo acidentes são mais comuns entre pessoas cronicamente solitárias. A solidão tem um impacto na saúde física comparável a fumar 15 cigarros por dia: parece aumentar o risco de morte precoce em 26%. Isso se dá, em parte, porque eleva a produção do hormônio do estresse cortisol, que inibe o sistema imunológico.

Estudos realizados tanto em animais como em humanos sugerem uma razão para o bem-estar alimentar: o isolamento reduz o controle dos impulsos, levando à obesidade. Como aqueles que estão na base da pirâmide socioeconômica são os que têm maior probabilidade de sofrer de solidão, será esta uma das explicações para a forte ligação entre baixo status econômico e obesidade?

Qualquer pessoa pode perceber que algo crucial — muito mais importante do que a grande maioria dos problemas que nos atormentam — deu errado. Por que razão continuamos mergulhados neste frenesi de autodestruição, devastação ambiental e deslocamento social, se tudo o que isso produz é uma dor insuportável? Essa pergunta não deveria queimar os lábios de todos os que estão na vida pública?

Há instituições de caridade maravilhosas fazendo o que podem para lutar contra essa maré. Trabalharei com algumas delas como parte do meu projeto sobre solidão. Mas, para cada pessoa que elas alcançam, muitas outras são deixadas para trás.




domingo, 16 de outubro de 2016

USAFORCES - Treinando para o Fim da Humanidade

Fonte: http://outraspalavras.net/blog/2016/10/14/assim-o-pentagono-ve-o-mundo-em-2030/

Assim o Pentágono vê o mundo em 2030



Filme secreto, usado em treinamento militar, é revelado. EUA preveem que, em 15 anos, metrópoles estarão devastadas e caóticas. E querem preparar-se para guerrear nestas condições extremas

Que as guerras promovidas pelos EUA neste século devastam cidades, inviabilizam países e instalam situações de caos permanente, já se sabia. Porém o site The Intercept, de Glenn Greenwald, acaba de obter uma informação chocante. Este cenário de desumanização brutal é o que o Departamento de Defesa (“Pentágono”) — órgão que coordena as forças armadas norte-americanas — prevê, de forma “inevitável”, para as metrópoles do mundo todo, já em 2030.

A distopia está expressa num vídeo de cinco minutos publicado acima, e revelado ontem graças a um requerimento baseado na Lei de Liberdade de Informação dos EUA. Não se trata de fantasia especulativa, mas de material didático. A peça foi parte de um curso oferecido, no começo deste ano, pela a Universidade de Operações Especiais Conjuntas (JSOU, na sigla em inglês) do Pentágono. Intitula-se Megacities: Urban Future, the Emerging Complexity, ou “Megacidades: o Futuro Urbano, a Emergente Complexidade”.

Em The Intercept, o jornalista Nick Turse faz uma breve resenha. Segundo o vídeo, em menos de quinze anos as grandes cidades do mundo “serão um amálgama de cenários como os dos filmes Fuga de Nova York e Robocop — com toques de Warriors e Divergent”. Sucedem-se cenas de ruas entulhadas de lixo, vândalos mascarados, e tropas de choque enfrentando manifestantes. “O crescimento ampliará o divisão crescente entre ricos e pobres”, diz o narrador. A descrição do futuro inclui cidades dominadas por “redes criminosas”, “infraestrutura precária”, “tensões religiosas e étnicas”, “favelas miseráveis”, “lixões abertos”, “esgotos transbordantes”.

A preocupação do Pentágono, expressa com clareza no filme é o despreparo das tropas norte-americanas para lidar com este tipo de cenário. Um porta-voz do Pentágono afirmou a The Intercept que o objetivo da produção foi “iluminar os desafios da operação nos ambientes das mega-cidades”.

O próprio vídeo afirma, aos participantes do curso, no tom de uma superpotência que parece acreditar apenas na força bruta como meio de manter seu poder: “Mesmo nossa doutrina de contra-insurgência, testada nas cidades do Iraque e montanhas do Afeganistão, é incapaz para enfrentar a futura realidade urbana (…) Enfrentamos um desafio que exige redefinir nossa doutrina de maneira radicalmente nova e diferente”




quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Moro na Cadeia - Prevaricador

Moro repreende Folha por ter publicado artigo de físico que o critica



Obs: O editor do blog Vertigens Cotidianas se reserva o direito de não publicar a missiva de Moro. Em bom português: que o criminoso bedel magistrado busque sua turma. Não será dificil lê-la na fonte abaixo relacionada.

O artigo de Rogério Cerqueira Leite: “Desvendando Moro”

O húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere ataques alternativos quando um problema parece insolúvel.

Um deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sérgio Moro e seus sequazes da Promotoria pública.

Dentre os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savanarola, representante tardio do puritanismo medieval. É notável o fato que Savanarola e Leonardo da Vinci tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia fulgurante o Renascimento.

Educado por seu avô, empedernido do moralista, o jovem Savanarola agiganta-se contra a corrupção da aristocracia e da Igreja. Para ele ter existido era absolutamente necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento.

Imaginem só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser combatida. Todavia existe uma diferença essencial, apesar de muitas conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná – não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savanarola, como aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano.

É preciso, portanto, adicionar, um outro componente à constituição da personalidade de Moro – o sentimento aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de “síndrome do escolhido”.
Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB.

A corrupção é quase que apenas um pretexto. Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT.
Savanarola, após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença.

Em Roma, Savanarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes.

Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não.


quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Novo Sistema Mundial - Decadência do Ocidente


    Os 10 pontos que explicam o Novo Sistema Mundial


Por: Ignacio Ramonet *

Tradução: Victos Farinelli


Como é o Novo Sistema Mundial? Quais são suas principais características? Que dinâmicas estão determinando o funcionamento real do nosso planeta? Que características dominarão os próximos 15 anos, de aqui até 2030?

Para tentar descrever este Novo Sistema Mundial e prever seu futuro imediato, vamos a utilizar a bússola da geopolítica, uma disciplina que nos permite compreender o jogo das potências e avaliar os principais riscos e perigos. Para antecipar, como num tabuleiro de xadrez, os movimentos de cada potencial adversário.

O que essa bússola nos diz?



* Doutor em semiologia, professor emérito da Universidade de Paris e diretor do Le Monde Diplomatique em espanhol. Autor do livro “El Imperio de la Vigilancia”, entre outros.

O declínio do Ocidente

A principal constatação é o declínio do Ocidente. Pela primeira vez desde o Século XV, os países ocidentais estão perdendo poderio diante da ascensão das novas potências emergentes. Começa a fase final de um ciclo de cinco séculos de dominação ocidental do mundo. A liderança internacional dos Estados Unidos se vê ameaçado hoje pelo surgimento de novos polos de poder (China, Rússia, Índia) a escala internacional. O “rebaixamento estratégico” dos Estados Unidos já começou. O “século americano” parece chegar ao fim, ao mesmo tempo em que vai se desvanecendo o “sonho europeu”…

Embora os Estados Unidos continuem sendo uma das principais potências planetárias, está perdendo sua hegemonia econômica paulatinamente, com o crescimento da China, e já não exercerá sua “hegemonia militar solitária” como fez desde o fim da Guerra Fria. Caminhamos em direção a um mundo multipolar, no qual os novos atores (China, Rússia e Índia) têm vocação de constituir sólidos polos regionais para disputar a supremacia internacional com Washington e seus aliados históricos (Reino Unido, França, Alemanha, Japão).

Na terceira linha aparecem as potências intermediárias, com demografias em alta e fortes taxas de crescimento econômico, que podem se transformar também em polos hegemônicos regionais, com talvez, se mantiverem essa tendência nos próximos quinze anos, em um grupo de influência planetária. São os casos de Indonésia, Brasil, Vietnã, Turquia, Nigéria e Etiópia.

Para se ter uma ideia da importância e da rapidez da queda de prestígio do Ocidente, basta observar estas duas cifras: parte dos países ocidentais que hoje representam 56% da economia mundial serão apenas 25% em 2030 – em menos de quinze anos, o Ocidente perderá mais da metade de sua preponderância econômica. Uma das principais consequências disso é que os Estados Unidos e seus aliados já não terão os meios financeiros para assumir o rol de guardiães do mundo. Desse modo, esta mudança estrutural poderia debilitar o Ocidente de forma duradoura.

O inabalável crescimento da China

O mundo se “desocidentaliza” rapidamente, e é cada vez mais multipolar. Nesse cenário, se destaca, uma vez mais, o papel da China, que emerge como a grande potência do Século XXI. Embora a China se encontre ainda longe de representar um autêntico rival para Washington, por enquanto. Em parte, a estabilidade do novo candidato a império não está garantida, porque coexistem em seu seio o capitalismo mais salvagem e o comunismo mais autoritário. A tensão entre essas duas dinâmicas causará, cedo ou tarde, uma quebra que poderia debilitar o seu poder.

De qualquer forma, neste 2016, os Estados Unidos continuam exercendo uma indiscutível dominação hegemônica sobre o planeta. Tanto em termos de domínio militar (fundamental) como em vários outros setores cada vez mais determinantes: em particular, o tecnológico (Internet) e o soft power (cultura de massas). O que não significa que a China não tenha realizado prodigiosos avanços nos últimos trinta anos. Nunca na história, nenhum país cresceu tanto em tão pouco tempo.

Por enquanto, o poder dos Estados Unidos está em declínio, e o da China em ascensão inabalável. Já é a segunda potência econômica do mundo, superando o Japão e a Alemanha.

Para Washington, a Ásia é agora uma zona prioritária, e o presidente Barack Obama decidiu reorientar a estratégia de sua política exterior. Os Estados Unidos tenta frear a expansão da China no continente, cercando-a com bases militares e se apoiando em seus sócios locais tradicionais: Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Filipinas. É significativo que a primeira viagem de Barack Obama, depois de reeleito em 2012, tenha sido uma turnê por Birmânia, Cambodja e Tailândia, três Estados da Associação de Nações do Sudeste da Ásia Sudeste (ASEAN, por sua sigla em inglês), uma organização que reúne os aliados de Washington na região, a maioria deles com problemas de limites marítimos com Pequim.

Os mares da China se tornaram as zonas de maior potencial de conflito armado da área Ásia-Pacífico. As maiores tensões entre Pequim e Tóquio têm a ver com a soberania das Ilhas Senkaku – Diaoyú para os chineses. Também há disputas com o Vietnã e as Filipinas, sobre a propriedade das Ilhas Spratly, um conflito que vem crescendo gradualmente. A China está trabalhando para modernizar o arsenal de sua marinha. Em 2012, lançou seu primeiro porta-aviões, o Liaoning, e está construindo um segundo, com a intenção de intimidar a Washington. Pequim suporta cada vez menos a presencia militar dos Estados Unidos na Ásia. Entre estos dois gigantes, se está instalando uma perigosa “desconfiança estratégica” que, sem sombra de dúvidas, poderia marcar a política internacional da região daqui até 2030.

O terrorismo jihadista

Outra das ameaças globais que nossa bússola indica é o terrorismo jihadista praticado pela Al Qaeda e pela organização Estado Islâmico (ISIS, por sua sigla em inglês). As principais causas desse terrorismo jihadista atual são os desastrosos erros e os crimes cometidos pelas potências ocidentais que invadiram o Iraque em 2003, além dos disparates nas intervenções armadas na Líbia (2011) e na Síria (2014).

No Oriente Médio continua sendo o foco de conflito mais perturbador do mundo. Particularmente, em torno da inexplicável guerra civil na Síria. Está claro as grandes potências ocidentais (Estados Unidos, Reino Unido, França), aliadas aos Estados que mais difundem pelo mundo a concepção arcaica e retrógrada do Islã (Arábia Saudita, Qatar e Turquia), decidiram apoiar, com dinheiro, armas e instrutores, as milícias insurgentes sunitas. Os Estados Unidos constituiu nessa região um amplo “eixo sunita”, com o objetivo de derrubar Bashar al-Assad e despojar o Irã de um grande aliado regional. Mas o governo de Bashar al-Assad, com o apoio da Rússia e do Irã, vem resistindo, e continua se consolidando. O resultado de tantos erros é o terrorismo jihadista atual que multiplica os atentados odiosos contra civis inocentes na Europa e nos Estados Unidos.

Algumas capitais ocidentais continuam pensando que a potência militar massiva é suficiente para conter o terrorismo. Porém, na história militar, abundam os exemplos de grandes potências incapazes de derrotar adversários mais fracos. Basta recordar os fracassos norte-americanos no Vietnã, nos Anos 70, ou na Somália, nos Anos 90. Num combate assimétrico, aquele que pode mais, não necessariamente vence. O historiador Eric Hobsbawn recordava que “na Irlanda do Norte, durante cerca de trinta anos, o poder britânico se mostrou incapaz de derrotar um exército tão minúsculo como o IRA, que certamente nunca esteve em vantagem no conflito, mas tampouco foi vencido”.

Os conflitos em que o mais forte enfrenta o mais fraco em terreno são fáceis de iniciar, mas não de terminar. O uso massivo de meios militares pesados não significa necessariamente alcançar os objetivos buscados.

A luta contra o terrorismo também está autorizando, em matéria de governação e política interior, todas as medidas autoritárias e todos os excessos, inclusive uma versão moderna do “autoritarismo democrático” que tem como principal alvo não as organizações terroristas em sia mas sim os grupos insubmissos e insurgentes que se opõem a las políticas globalizadoras e neoliberais em certas regiões do mundo. 

A crise será longa…

Outra constatação importante: os países ricos continuam padecendo pelas consequências do terremoto econômico-financeiro que foi crise de 2008. Pela primeira vez, a União Europeia vê sua coesão e até a sua existência sob ameaça – situação confirmada pelo “brexit”. Na Europa, a crise econômica durará ao menos uma década mais, ou seja, até pelo menos 2025…

As crises, em qualquer setor, acontecem quando algum mecanismo deixa de atuar como o esperado, começa a ceder, até que se quebra. Essa ruptura impede que o conjunto das máquinas continue funcionando. É o que está ocorrendo na economia mundial desde que estourou a crise do subprime, em 2007-2008.

As repercussões sociais desse cataclismo econômico têm sido de uma brutalidade inédita: 23 milhões de desempregados na União Europeia e mais de 80 milhões de pobres… Os jovens em particular são as vítimas principais; gerações sem futuro. Mas as classes médias também estão assustadas, porque o modelo neoliberal de crescimento as abandona à margem do caminho.

A velocidade da economia e do mercado financeiro hoje é como a de um relâmpago, enquanto a velocidade da política se parece à de um caracol, para melhor comparação. É cada vez mais difícil conciliar tempo econômico e tempo politico. E também crises globais e governos nacionais. Tudo isso provoca nos cidadãos sentimentos de frustração e angústia.

A crise global produz vencedores e perdedores. Os vencedores se encontram, essencialmente, na Ásia e nos países emergentes, que não têm uma visão tão pessimista da situação como a dos europeus. Mas também há muitos “vencedores” entre os países ocidentais, cujas sociedades se encontram fraturadas pelas desigualdades entre ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres.

Na verdade, esses países não estão suportando uma só crise, mas sim uma soma de crises mescladas tão intimamente umas com as outras que não conseguimos distinguir entre causas e efeitos. Os efeitos de umas são as causas de outras, formando assim um verdadeiro sistema de crises. Ou seja, enfrentamos uma autêntica crise sistêmica do mundo ocidental, que afeta a tecnologia, a economia, o comércio, a política, a democracia, a identidade, a guerra, o clima, e meio ambiente, a cultura, os valores, a família, a educação, a juventude, etc.

Do ponto de vista antropológico, estas crises estão se traduzindo num aumento do medo e do ressentimento. As pessoas vivem em estado de ansiedade e de incerteza. Voltam a estar presentes os grandes pânicos diante de ameaças indeterminadas, como a da perda do emprego, dos eletrochoques tecnológicos, das consequências da biotecnologia, das catástrofes naturais, da insegurança generalizada… Tudo isso configura um desafio para as democracias. Porque esse terror se transforma às vezes em ódio e em repúdio. Em vários países europeus, e também nos Estados Unidos, esse ódio se dirige hoje contra o estrangeiro, o imigrante, o refugiado, o diferente. A ojeriza contra os chamados “outros” (muçulmanos, latinos, ciganos, subsaarianos, indocumentados, etc) vem crescendo e fomentando os partidos xenófobos e a extrema direita.

Decepção e desencantamento

É preciso entender que, desde a crise financeira de 2008 (da qual ainda não saímos), já nada é igual em nenhum lugar do mundo. Os cidadãos estão profundamente desencantados. A própria democracia como modelo vem perdendo sua credibilidade. Os sistemas políticos foram sacudidos até as raízes. Na Europa, por exemplo, os grandes partidos tradicionais estão em crise. E em todos os lugares e possível perceber o avanço das agrupações de extrema direita (na França, na Áustria e nos países nórdicos) ou de partidos antissistema e anticorrupção (na Itália e na Espanha). A paisagem política foi radicalmente transformada.

Esse fenômeno chegou aos Estados Unidos, um país que já viveu uma onda populista devastadora, em 2010, protagonizada então pelo chamado Tea Party. A candidatura do multimilionário Donald Trump para ocupar a Casa Branca prolonga aquela onda e configura uma revolução eleitoral que nenhum analista poderia prever. Embora persista, em aparência, a velha dicotomia entre democratas e republicanos, a ascensão de um candidato tão heterodoxo como Trump constitui um verdadeiro sismo. Seu estilo direto, bonachão, seu discurso maquiado e reducionista, apelando aos baixos instintos de certos setores da sociedade, deram a ele um caráter de autenticidade aos olhos dos mais decepcionado eleitores da direita.

Vencedor das primárias do Partido Republicano, Trump soube interpretar o que poderíamos chamar de “rebelião das bases”. Melhor que ninguém, ele percebeu que, por um lado, existe a fratura cada vez mais ampla entre as elites políticas, econômicas, intelectuais e midiáticas, e por outro, uma quebra na base do eleitorado conservador. Seu discurso violentamente crítico à burocracia de Washington, aos meios de comunicação e a Wall Street seduz particularmente os eleitores brancos, pouco cultos e empobrecidos pelos efeitos da globalização econômica.

Sismos e mais sismos

Neste sentido, poderíamos dizer que outra grande característica do Novo Sistema Mundial são os sismos. Sismos financeiros e monetários, sismos climáticos, sismos energéticos, sismos tecnológicos, sismos sociais, sismos geopolíticos – como o restabelecimento de relações entre Cuba e Estados Unidos, ou, em outro sentido, o recente golpe de Estado institucional no Brasil, contra a presidenta Dilma Rousseff. Sem esquecer dos sismos eleitorais, como a vitória do “Não” aos acordos de paz no plebiscito realizado na Colômbia, além do “brexit” no Reino Unido, ou o sucesso da extrema direita na Áustria, ou a derrota de Angela Merkel em várias eleições parciais na Alemanha. Ou o enorme sismo eleitoral que poderia constituir efetivamente a eventual vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, em novembro.

Acontecimentos imprevistos que surgem com força, sem que ninguém, ou quase ninguém, possa se prevenir. Há uma falta de visibilidade geral. Se governar é prever, vivemos uma evidente crise de governança geral. Em muitos países, o Estado que protegia os cidadãos deixou de existir. Há uma crise da democracia representativa: “não nos representam!”, diziam os “indignados”. As pessoas reclamam que a autoridade política volte a assumir o seu papel de condutor da sociedade. Se insiste na necessidade de reinventar a política e de fazer o poder político entender que precisa colocar freios ao poder econômico e financeiro dos mercados.

Internet, a ciberespionagem e a ciberdefesa

O Novo Sistema Mundial também se caracteriza pela multiplicidade de rupturas estratégicas cujo significado às vezes não compreendemos. Hoje, a Internet é o vetor da maioria das mudanças. Quase todas as crises recentes têm alguma relação com as novas tecnologias da comunicação e da informação, com a desmaterialização e a digitalização generalizadas e com a propagação das redes sociais. Mais que uma tecnologia, a Internet é um ator fundamental das crises. Basta recordar o rol cumprido por WikiLeaks, Facebook, Twitter e as demais redes sociais na aceleração da difusão de informação, e também na conectividade social através do mundo.

Até 2030, no Novo Sistema Mundial, algumas das maiores coletividades do planeta já não serão países e sim comunidades congregadas e vinculadas entre si pela Internet e pelas redes sociais. Por exemplo, “Facebooklândia”, com mais de um bilhão de usuários, ou “Twitterlândia”, com mais 800 milhões. Espaços cuja influência no jogo de tronos da geopolítica mundial, poderia ser decisiva. Hoje, as estruturas de poder se mostram cada vez mais obsoletas aos olhos de um público com acesso às novas redes e ferramentas digitais.

Por outro lado, a estreita cumplicidade entre algumas grandes potências e as grandes empresas privadas que dominam as indústrias da informática e das telecomunicações, a capacidade em matéria de espionagem de massas cresce também de forma exponencial. As megaempresas, como Google, Apple, Microsoft, Amazon e Facebook estabeleceram estreitos laços com o aparato do Estado em Washington, especialmente com os responsáveis pela política exterior. Essa relação se tornou evidente. Compartilham as mesmas ideias políticas e idêntica visão do mundo. Em última instância, esses estreitos vínculos e a visão comum do mundo, por exemplo, entre a Google e a administração estadunidense, estão a serviço dos objetivos da política exterior dos Estados Unidos.

Se trata de uma aliança sem precedentes: Estado, aparato militar de segurança e indústrias gigantes da web. Criaram um verdadeiro império da vigilância, cujo objetivo claro e concreto é manter a Internet sob constante observação, toda a Internet e todos os internautas, como foi denunciado por Julian Assange e Edward Snowden.

O ciberespaço se transformou numa espécie de quinto elemento. O filósofo grego Empédocles sustentava que nosso mundo estava formado por uma combinação de quatro elementos: terra, ar, água e fogo. Porém, o surgimento da Internet, com seu misterioso “interespaço” superposto ao nosso, formado por bilhões e bilhões de intercâmbios digitais de todo tipo, por seu roaming, seu streaming e seu clouding, engendrou um novo universo, de certo modo quântico, que completa a realidade do nosso mundo contemporâneo como se fosse um autêntico quinto elemento.

Neste sentido, é preciso destacar que cada um dos quatro elementos tradicionais constitui, historicamente, um campo de batalha, um lugar de confrontação. E que os Estados vem tendo que desenvolver componentes específicos das forças armadas para cada um destes elementos: para a terra, o exército de terra; para o ar, o exército do ar (aeronáutica); para a água, o exército da água (marinha); e, num carácter mais singular para o fogo, os “guerreiros do fogo” (bombeiros). De forma natural, como aconteceu com a criação da aviação militar – entre 1914 e 1918 –, todas as grandes potências estão conformando hoje, juntos com os exércitos tradicionais e os combatentes do fogo, um novo exército cujo ecossistema é o quinto elemento: o ciberexército, encarregado da ciberdefensa, que tem suas próprias estruturas orgânicas, seu Estado maior, seus cibersoldados e suas próprias armas: supercomputadores preparados para defender as ciberfronteiras e enfrentar a ciberguerra digital, no âmbito da Internet.

Uma mutação do capitalismo: a economia colaborativa

Trinta anos depois da expansão massiva da web, os hábitos de consumo também estão mudando. Pouco a pouco, está se impondo a ideia de que a opção mais inteligente hoje é a de usar algo em comum, e não necessariamente comprá-la. Isso significa abandonar aos poucos uma economia baseada na submissão dos consumidores e no antagonismo ou na competição entre os produtores, e passar a uma economia que estimula a colaboração e o intercâmbio entre os usuários de um bem ou um serviço. Tudo isto planteia uma verdadeira revolução no seio do capitalismo, que está bem diante dos nossos narizes, uma nova mutação.

É um movimento irresistível. Milhares de plataformas digitais de intercâmbio de produtos e serviços estão se expandindo a toda velocidade. A quantidade de bens e serviços que podem ser alugados ou intercambiados através de plataformas online, sejam elas pagas ou gratuitas, já é literalmente infinita.

A nível planetário, esta economia colaborativa cresce atualmente entre 15% e 17% ao ano. Com alguns exemplos de crescimento absolutamente espetaculares. Um exemplo conhecido é o Uber, a aplicação digital que conecta passageiros e motoristas, que tem somente cinco anos de existência e já vale 68 bilhões de dólares, e opera em 132 países. Por sua parte, Airbnb, a plataforma online de alojamentos para particulares, surgida em 2008, já encontrou camas para mais de 40 milhões de viajantes, e vale hoje mais de 30 bilhões de dólares – significa que, sem ser proprietária habitação nenhuma, a empresa já vale mais que os grandes grupos Hilton, Marriott ou Hyatt.

Outro aspecto fundamental que está mudando – e que foi nada menos que a base da sociedade de consumo –, é o sentido da propriedade, o desejo de possessão. Adquirir, comprar, ter, possuir eram os verbos que melhor traduziam a ambição essencial de uma época na qual o ter definia o ser. Acumular “coisas” (casas, carros, geladeiras, televisores, móveis, roupa, relógios, livros, quadros, telefones, etc) constituía, para muitas pessoas a principal razão da existência. Parecia que, desde o início dos tempos, o sentido materialista de posse era inerente ao ser humano.

A economia colaborativa constitui um modelo econômico baseado no intercâmbio e na comunhão de bens e serviços, mediante o uso de plataformas digitais. Se inspira nas utopias do compartilhamento e em valores não mercantis, como a ajuda mútua ou a convivialidade, e também no espírito de gratuidade, mito fundador da Internet. Sua ideia principal é: “o que é meu é seu”, ou seja compartilhar em vez de possuir. O conceito básico é a troca. Se trata de conectar, por via digital, aqueles que buscam “algo” com aqueles que oferecem esse algo. As empresas mais conhecidas desse setor são Uber, Airbnb, Netflix, Blabacar, etc.

Muitos indícios nos levam a pensar que estamos assistindo o ocaso da segunda revolução industrial, baseada no uso massivo de energias fósseis e em telecomunicações centralizadas. Assistimos o surgimento de uma economia colaborativa que obriga o sistema capitalista a mutar.

Por outra parte, num contexto em que as mudanças climáticas se tornam a principal ameaça à sobrevivência da humanidade, os cidadãos não desconhecem os perigos ecológicos inerentes ao modelo de hiperprodução e de hiperconsumo globalizado. Também nesse sentido, a economia colaborativa oferece soluções menos agressivas para o planeta.

Num momento como o atual, de forte desconfiança sobre o modelo neoliberal e as elites política, financeira, midiática e bancária, a economia colaborativa parece entregar respostas a muitos cidadãos em busca de sentido e de ética responsável. Exalta valores de ajuda mútua e boa vontade para dividir recursos, critérios que, em outros momentos, foram a argamassa das teorias comunitárias e de ambições socialistas. Porém, que ninguém se equivoque, pois hoje elas são o roto de um capitalismo mutante, que deseja se afastar da selvageria do impiedoso período ultraliberal.

Nossa bússola também nos mostra como a aparição de tensões entre os cidadãos e alguns governos, em dinâmicas que vários sociólogos qualificam como “pós-políticas” ou “pós-democráticas”… Por um lado, a generalização do acesso à Internet e a universalização do uso das novas tecnologias permitem à cidadania alcançar altas quotas de liberdade e desafiar os representantes políticos (como durante a crise dos “indignados”). Ao mesmo tempo, essas mesmas ferramentas eletrônicas proporcionam aos governos, como já foi dito acima, uma capacidade sem precedentes para vigiar os seus cidadãos.

Ameaças não militares

“A tecnologia – como analisa um relatório recente da CIA – continuará sendo o grande nivelador, e os futuros magnatas da Internet, como poderia ser o caso dos donos de Google e Facebook, possuem montanhas inteiras de bases de dados, e manejam muito mais informações que qualquer governo, e em tempo real”. Por isso, a CIA recomenda à administração dos Estados Unidos que faça frente a essa ameaça eventual das grandes corporações de Internet, ativando o Special Collection Service, um serviço de inteligência ultrassecreto, administrado conjuntamente pela NSA (sigla em inglês da Agência Nacional de Segurança) e pelo SCE (Serviço de Elementos Criptológicos) das Forças Armadas, especializado na captação clandestina de informações de origem electromagnética. O perigo de que um grupo de empresas privadas controle toda essa massa de dados reside, principalmente, em que poderia condicionar o comportamento da população mundial em grande escala, e que inclusive das entidades governamentais. Também se teme que o terrorismo jihadista seja substituído por um ciberterrorismo ainda mais poderoso.

A CIA toma tão em sério este novo tipo de ameaça que considera que, finalmente, o declínio dos Estados Unidos não foi provocado por uma causa exterior, mas sim por uma crise interna: a quebra econômica a partir dos anos de 2007 e 2008. O informe insiste em dizer que a geopolítica de hoje deve se interessar por novos fenômenos que não possuem necessariamente um carácter militar. As ameaças militares não desapareceram, mas alguns dos perigos mais importantes rondam as nossas sociedades hoje são de ordem não militar: crise climática, mutação tecnológica, conflitos econômicos, crime organizado, guerras eletrônicas, esgotamento dos recursos naturais…

Sobre este último aspecto, é importante saber que um dos recursos que está se esgotando mais aceleradamente é a água doce. Em 2030, 60% da população mundial terá problemas de abastecimento de água, dando lugar ao surgimento de “conflitos hídricos”. Com respeito ao petróleo e o gás natural, graças às novas técnicas de fraturação hidráulica, a exploração dessas matérias-primas energéticas está alcançando níveis excepcionais. Os Estados Unidos já são quase autossuficientes em gás, e em 2030 poderia ser também autossuficiente em petróleo, o que tende a abaratar seus custos de produção de manufaturas, impulsar a relocalização de suas indústrias. Mas se os Estados Unidos – principal importador atual de hidrocarburetos – deixa de importar petróleo, podemos prever então uma queda no preço do barril. Quais serão as consequências disso para os grandes países exportadores?

O triunfo das cidades e das classes médias

No mundo para o qual caminhamos, 60% das pessoas viverão nas grandes cidades, algo inédito na história da humanidade. As consequências da redução acelerada da pobreza, as classes médias serão dominantes e triplicarão de tamanho, passando de um bilhão a três bilhões de pessoas. Isto em si já seria uma revolução colossal, e deixará como sequela, entre outros efeitos, uma mudança geral nos hábitos culinários e, em particular, um aumento do consumo de carne a escala planetária, o que agravará a crise meio ambiental.

Em 2030, seremos 8,5 bilhões de habitantes no planeta, mas o aumento demográfico cessará em todos os continentes, menos na África, com o conseguinte envelhecimento geral da população mundial. O vínculo entre o ser humano e as tecnologias protésicas estimulará a invenção de novas gerações de robôs e a aparição de “super homens”, capazes de proezas físicas e intelectuais inéditas.

O futuro é muito poucas vezes previsível. Por isso, é preciso deixar de imaginá-lo em termos de prospectiva. Devemos nos preparar para atuar em diferentes circunstâncias possíveis, das quais somente uma se tornará realidade. A geopolítica é uma ferramenta extremamente útil. Nos ajuda a tomar consciência das rápidas evoluções em curso e a refletir sobre a possibilidade de que cada um de nós pode intervir de alguma forma, e propor um rumo. Para se tentar construir um futuro mais justo, mais ecológico, menos desigual e mais solidário.




segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Inteligencia Artificial e Capitalismo

"A velha 'alma' recebeu nomes novos, agora ela avança mascarada (larvatus prodeu): chama-se-lhe 'a cultura', 'o simbólico', 'a mente'. O problema teológico da alma alheia transmutou-se diretamente no quebra-cabeça filosófico conhecido como 'problem of other minds', hoje na linha de frente das investigações neurotecnológicas sobre a consciência humana, sobre os fundamentos possíveis da atribuição da condição juridica de 'pessoa' a outros animais e, por fim, sobre a inteligência das máquinas (os deuses passaram a habitar os processadores Intel). Nos últimos dois casos, trata-se de saber se certos animais não teriam, afinal, algo como uma alma ou consciência - talvez mesmo - uma cultura - , e se certos sistemas não-autopoiéticos, ou seja, desprovidos de um corpo orgânico (máquinas computacionais) podem se mostrar capazes de intencionalidade"  (Eduardo Viveiros de Castro¹) 



Por: Julio Kling

Como podemos perceber hoje, em nosso dia a dia repleto de câmeras de vigilância, controles de acesso e dispositivos de policiamento e controles de trafego de pessoas e veículos, e da própria internet, a Cibernética na atualidade é uma ciência eficiente e em franca expansão, como ferramenta de organização social, e com o advento do avanço tecnológico sem limites da microeletrônica e telemática nos últimos 60 anos  estamos no limiar de novas descobertas de equipamentos e sistemas  que serão responsáveis por um salto determinante na evolução humana no planeta, um novo estágio que poderá levar a humanidade de forma definitiva para uma sociedade cada vez menos livre e controlada, de forma absoluta e definitiva, em todas as suas manifestações.

Em principio toda tecnologia serve para auxiliar o homem sobreviver ao seu meio ambiente, mas sabemos que existe um sentido dual de sua aplicação. O ferro forja o arado que alimenta, mas também a lança e a espada que matam. A tecnologia criada pelo homem permanece uma faca de dois gumes. A excessiva especialização do mais apto, neste caso a necessidade crescente de ferramentas, nem sempre auxilia a manutenção da espécie. Prova disso é o imenso arsenal nuclear fabricado pela humanidade capaz de destruir o planeta várias vezes.

Uma espécie que fique demasiadamente dependente de seus artefatos para sobreviver tem mais probabilidade de ser extinta caso as condições do ambiente sejam alteradas. Apesar da excessiva urbanização da espécie humana, os indivíduos continuam dependentes da biosfera para sobreviver mesmo vivendo em mega centros urbanos. Tanto a cultura, quanto as estruturas de moradia e comércio são ferramentas desenvolvidas pela espécie humana. Como ser fenomenal é a única criatura da biosfera que usa vestimentas para estabelecer status, constrói a própria gaiola ou concha, que chama de habitação, e caminhos circulares que não vão para lugar algum, numa ilusão de movimento centrifugo, avenidas, logradouros, vias de acesso, e vias expressas, para si, por livre e espontânea vontade, ou melhor, influenciado diretamente pelo meio urbano, que resolveu denominar de cultura.

A cultura urbana, prevalecente no fim do século XX e início do XXI, foi a responsável pelo esvaziamento dos campos num verdadeiro êxodo que atingiu quase todo o planeta. A população planetária hoje está em sua maioria concentrada em áreas horizontais e verticais exíguas, tendência demográfica migratória que ainda está em franca expansão. O homem emigra do campo para a cidade em busca de empregos mais sofisticados de prestação de serviços e conforto tecnológico que aparentemente não pode encontrar em seu lugar de origem. A indústria cultural através da imposição de modismos cambiantes e do obsoletismo forçado determina de forma massiva que o individuo só será plenamente satisfeito caso obtenha as facilidades tecnológicas dos centros urbanos que ele necessita adquirir através do consumo de mercadorias.

Este processo que era difundido de forma tecnologicamente canhestra na segunda metade do século XX evoluiu vertiginosamente nas primeiras duas décadas do século XXI com o advento da rede mundial de computadores e o uso indiscriminado e barato de artefatos de comunicação eletrônica como, por exemplo: celulares, notebooks e outros sistemas híbridos similares com seus diversos aplicativos, que tem sido cada vez mais utilizados por todas as camadas da população e em todos os lugares do planeta. Num movimento circular ascendente os meios de comunicação e o público alvo que antes estavam separados e isolados pela dimensão da grandeza espacial da geração das ondas hertzianas a partir dos grandes centros de difusão de som e imagem até os respectivos receptores, de forma unidirecional, passaram hoje a integrar uma só dimensão da comunicação, em tempo real, transportada através de cabos lógicos e fibras óticas, numa via de mão dupla, estabelecendo assim uma nova relação emissor-receptor, de troca espontânea, audiência recíproca, e resposta imediata. Outros meios de comunicação que não conseguiram acompanhar ou se adaptar a evolução tecnológica, como por exemplo periódicos e magazines com seus públicos cada vez mais reduzidos são radicalmente substituídos pelas mensagens audiovisuais de baixo conteúdo, que dispensam a cansativa interface do alfabeto para decifração da mensagem, e a exaustiva necessidade da interpretação do texto, transformada pela informação instantânea de som e imagem, independente da qualificação de conteúdo da mensagem recebida. Este mesmo público receptor também está capacitado para gerar novas imagens e por sua vez realimentar o sistema sem maiores preocupações com conteúdo. Caso o conteúdo obtenha audiência, a mensagem ingressa imediatamente na corrente principal do meio, e submerge numa escala exponencial de visualizações através de sua  imediata espetaculização.
 
No Ocidente os meios de comunicação só possuem um objetivo: obter lucratividade e programar o consumo nas sociedades capitalistas. Portanto o conteúdo difundido diz respeito exclusivamente à manutenção das linhas de produção e consumo de produtos. Este é o espectro da cultura urbana, ou melhor, da indústria cultural do Ocidente como referia Adorno.




Stephen Hawking -

Stephen Hawking tem alertado em suas palestras sobre o perigo do desenvolvimento da inteligência artificial para a espécie humana. De acordo com o físico britânico, os riscos envolvidos no desenvolvimento de superinteligências “não são de malícia dos sistemas, mas de excessiva competência”. O temor não é que um cientista maluco crie um exército de robôs maus, como em alguns filmes de ficção, mas que as máquinas se tornem tão competentes em alcançar seus objetivos que acabem prejudicando a Humanidade.

“Você provavelmente não é uma pessoa que odeia formigas e pisa nelas por malícia, mas se estiver à frente de um projeto hidrelétrico de energia verde e existir um formigueiro na região que será alagada, azar das formigas”, exemplificou Hawking. “Não vamos colocar a Humanidade na posição dessas formigas”.

O cientista explica que, atualmente, as máquinas são criadas para realizar determinadas tarefas e cumprir metas. O problema, diz o cientista, é que, no futuro, máquinas extremamente inteligentes podem desenvolver formas de adquirir mais recursos para alcançar suas metas mais facilmente, e isso pode se tornar um problema para o homem.

Outro temor é que as inteligências artificiais se tornem melhores que os humanos no desenvolvimento de inteligências artificiais. Se isso acontecer, diz Hawking, “nós talvez enfrentemos uma explosão da inteligência que, por fim, vai resultar em máquinas cujas inteligências vão exceder a nosso mais do que a nossa excede a das lesmas”.

Mas não são apenas as máquinas que devem ser temidas, mas também a ganância humana. Com o desenvolvimento de cada vez mais máquinas, é possível vislumbrar um mundo sem trabalho para a maioria, com robôs produzindo bens e riqueza afirmou o cientista.

“Todos podem desfrutar de uma vida de luxo e lazer se a riqueza produzida pelas máquinas for compartilhada, ou a maioria das pessoas pode acabar miseravelmente pobre se os proprietários das máquinas conseguirem fazer lobby contra a distribuição da riqueza. Até agora, a tendência parece acompanhar a segunda opção, com a tecnologia aumentando cada vez mais a desigualdade”, disse Hawking.


Os Panfletários da Inteligência Artificial –

“O sistema de computação cognitiva caracteriza-se pelo processamento veloz de grandes volumes de dados (estruturados ou não), compreender linguagem natural e fala humana e ser capaz de aprender, formular e avaliar hipóteses.”

“A medida que acumulam dados, informações e conhecimento, os algoritmos contidos nos sistemas cognitivos tornam-se mais complexos e sofisticados, logo mais 'sábios e inteligentes'. (Gianpaolo Zampol)”

Apenas como referência etimológica (fonte: Houaiss): COG · NI · TIVO / käg-nə-tivo - adjetivo, do latim cognĭtum (supn. de cognoscĕre 'conhecer'): relativo ao processo mental de percepção, memória e/ou raciocínio (pensar, compreender, aprender, memorizar).

Da ficção científica, a computação cognitiva já está presente no ambiente dos negócios e no cotidiano das pessoas, apoiando-as no processo de decisão nas mais diversas áreas do conhecimento e setores de atividade:
·         Na medicina, auxilia médicos no diagnóstico e tratamento de câncer, a partir da análise de milhões de páginas de artigos e estudos;
·         No setor financeiro, apoia bancos e instituições no aconselhamento de investimentos a seus clientes, baseado em insights obtidos a partir do mercado e do perfil dos clientes;
·         Nos diferentes setores de prestação de serviços, fortalecendo o atendimento a clientes via call centers na interpretação de problemas em linguagem natural e recomendação de soluções mais assertivas.




IBM – Computação Cognitiva

Em um estudo publicado há dias, pesquisadores da IBM revelaram a criação de um conjunto de mais de 500 neurônios artificiais, capazes de interpretar informações e aprender sozinhos. A descoberta deixa a empresa cada vez mais próxima de desenvolver um sistema computacional capaz de se comportar como o cérebro humano.

Os neurônios artificiais da IBM foram criados a partir de chamados materiais de mudança de fase - isto é, substâncias que podem existir em dois estados diferentes (gasoso e líquido, por exemplo) e trocar de um estado para o outro com facilidade. A combinação de elementos usada pelos cientistas é composta por germânio, antimônio e telúrio.

A material, denominado GST, pode alterar sua composição entre o estado cristalino e amorfo - isto é, sólido, mas sem forma definida. Na primeira fase, o GST (usado na membrana do neurônio artificial) funciona como um isolador de energia elétrica. Já na fase amorfa, o material consegue atuar como um condutor de eletricidade.
Desse modo, com uma membrana capaz de conduzir ou isolar eletricidade, o neurônio artificial pode realizar sinapses a base de impulsos de energia - assim como os neurônios no cérebro humano. Outra semelhança é que os neurônios criados pela IBM não trocam dados digitais, como arquivos de computador, mas apenas informações analógicas, como temperatura e movimento, e são tão pequenos quanto neurônios "de verdade".

Aplicando-se uma fonte de calor a essa população de neurônios, as sinapses acontecem quase que naturalmente. É importante destacar, contudo, que a informação trocada entre elas é puramente aleatória, assim como no cérebro humano. Isso acontece devido ao ciclo de transformações do GST, que altera seu estado entre cristalino e amorfo sempre com alguma diferença. Os cientistas nunca sabem quando uma sinapse será realizada ou entre quais neurônios.

O que torna a descoberta ainda mais impactante é sua eficiência: os materiais usados na criação dos neurônios são facilmente encontrados na natureza ou na indústria; cada célula exige muito pouca energia para operar; a quantidade de informação processada é muito grande, enquanto o processamento é rápido; e tudo isso funciona num espaço físico bem mais reduzido fundando assim uma nova escala dimensional de miniaturização da microeletrônica.

Embora esses neurônios ainda não estejam prontos para serem usados em robôs como os de filmes de ficção científica, possíveis aplicações já estão sendo estudadas. O "mini cérebro artificial" da IBM poderia, por exemplo, ajudar na detecção de fenômenos naturais, como terremotos e tsunamis, ou até em sistemas de previsão do tempo mais precisos.

Em teoria, nada impede que esses neurônios sejam usados na fabricação de processadores de computador que tornem PCs, aplicativos ou qualquer dispositivo eletrônico bem mais inteligente, nos aproximando da mítica singularidade*. O desafio, porém, ainda é desenvolver o código de software capaz de interpretar as informações analógicas de um "cérebro" como esse.

*Singularidade tecnológica é a denominação dada a um evento histórico previsto para o futuro, no qual a humanidade atravessará um estágio de colossal avanço tecnológico em um curtíssimo espaço de tempo, quando a inteligência artificial terá superado a inteligência humana, alterando radicalmente a civilização e a natureza humana.


As tecnologias desenvolvidas recentemente, apesar das aplicações “cor de rosa” elencadas nos folders que corporações como a IBM e seus simpatizantes divulgam nos veículos profissionais e comerciais mais fechados, possuem muitas outras possibilidades não tão inocentes do que apenas uso para controle civil nas áreas cientificas e financeiras. Sua aplicação para fins militares é com certeza evidente, pois não existem limites para suas possibilidades no campo defensivo, nem evidentemente no campo ofensivo, de ataque a países inimigos através de controles eficientes do meio eletrônico e estabelecimento de ações integradas entre vários agentes de agressão.

De fato o uso de inteligências artificiais para fins militares já começou a ser testado com sucesso. Drones que selecionam seus próprios alvos e manobram de forma autônoma deixaram de ser argumento de livros e filmes de ficção como temos notícia:

Um sistema de pilotagem de caças criado por inteligência artificial derrotou dois jatos em uma simulação de combate recentemente.

O piloto, batizado de Alpha, usou quatro jatos virtuais para defender uma área de litoral dos dois caças - e não sofreu perdas.

Desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, o sistema também venceu um piloto aposentado de caças da Força Aérea Americana - logo, bastante experiente.

Na simulação descrita no estudo, os dois jatos que atacavam o litoral - chamada de equipe azul - tinham um sistema de armas mais poderoso que os jatos usados pelo Alpha, chamados de equipe vermelha.

Mas o sistema criado por inteligência artificial conseguiu se livrar dos inimigos depois de realizar uma série de manobras evasivas.

Um especialista em aviação afirmou que os resultados são promissores.

Na pesquisa, os cientistas da Universidade de Cincinnati e a companhia especializada em tecnologia Psibernetix chamam o sistema Alpha de um "adversário letal".

Descrevendo as simulações de combate entre o sistema de inteligência artificial e o piloto aposentado Gene Lee, os pesquisadores escreveram que o americano "não apenas não conseguiu uma morte contra (o Alpha), mas também foi derrubado pelos vermelhos em todas as tentativas nos combates prolongados".

O Alpha usa uma forma de inteligência artificial baseada no conceito de lógica difusa (ou "fuzzy"), na qual um computador analisa uma série ampla de opções antes de tomar a decisão.

Devido ao fato de um caça virtual produzir uma quantidade grande de dados para serem interpretados, nem sempre fica óbvio quais as manobras são mais vantajosas e, um combate ou mesmo em que momento uma arma deve ser disparada. Sistemas que usam a lógica difusa podem analisar a importância desses dados individuais antes de tomar uma decisão mais ampla.

O grande feito atingido pelos pesquisadores americanos com o sistema Alpha foi a capacidade de tomar essas decisões em tempo real e com a eficiência de um computador.

"Aqui você tem um sistema de inteligência artificial que parece ser capaz de lidar com o ambiente exclusivamente aéreo, é extraordinariamente dinâmico, tem um número extraordinário de parâmetros e, na teoria, consegue enfrentar muito bem um piloto de combate qualificado, capaz e experiente", disse Doug Barrie, analista aeroespacial militar da consultoria IISS.

"É como um campeão de xadrez perdendo para um computador", acrescentou.”



Ética x Moral -  

Apesar do entusiasmo, Barrie lembrou à BBC que pode não ser tão fácil ou apropriado tentar usar o Alpha em ambientes de combate na vida real.

A analista afirmou que se o sistema for usado de verdade e decidir atacar um alvo não militar, por exemplo, os resultados poderão ser terríveis.

"A indignação do público seria imensa."

Barrie acrescentou, porém, que o Alpha tem potencial para se tornar uma ferramenta de simulação de combate ou para ajudar a desenvolver sistemas melhores para uso dos pilotos humanos.


Com a adoção de sistemas baseados em inteligência artificial, teleguiados ou não, serão desenvolvidos muito mais que simples simuladores de vôo como afirma o analista. As questões de consciência dos operadores baseadas na moralidade em relação aos alvos a serem atingidos, a natureza biológica ou qualificação dos objetivos a serem eliminados e o problema de causar vitimas inocentes, os tais efeitos colaterais, deixarão de ter relevância para sistemas inteligentes, como hoje em dia já não têm para operadores humanos bem pagos há milhares de quilômetros da ação. A facilidade de precisão do alcance do alvo por dispositivos deste tipo, sem baixas de caros e especializados pilotos e o efeito aterrorizante de tal arma sobre o inimigo com certeza são vantagens estratégicas que serão pesadas no futuro próximo pelas potências com know how para utilizá-la. Sua aplicação em campo é iminente, portanto, inexorável e apenas depende exclusivamente do aprimoramento de seus protótipos em desenvolvimento. O que devemos levar em conta não é apenas a estrutura de uma unidade de uso militar de tal tipo, mas o contexto da obra, como estes programas de morte estarão interligados e controlados e qual será sua real finalidade.

Aplicar novas tecnologias para a exploração do homem pelo homem e para apropriar-se dos recursos naturais não renováveis do planeta como, por exemplo: água potável, petróleo e minerais raros para a indústria de transformação das grandes potências pode transformar-se num fim em si para estes sistemas. Diferente da opinião de Stephen Hawking sobre uma probabilidade futura de uma superinteligência artificial levar a extinção grupos étnicos humanos para realização de programas ecológicos ”sem malicia” sabemos por experiência própria, pelo sistema de exploração capitalista vigente no Ocidente, ser mais provável a inobservância de qualquer questão moral neste caso. Sistemas baseados em Hardware e Software de ponta não encontrarão necessidade alguma de preservar a biosfera como a conhecemos. Suas necessidades vitais de sobrevivência serão diferentes das nossas. Neste caso o mito da criatura que se volta contra seu criador não parece ser tão improvável assim.

O Fim da Infância –

"Os mais cínicos chegaram a dizer que o homem moderno, na realidade, representa o longamente buscado 'elo perdido', que ele, de fato, é o 'elo perdido' entre o macaco e o verdadeiro homem" - ( Ashley Montagu²)

A capacidade de autoduplicação esteve sempre associada aos seres vivos com base em estruturas de carbono na Terra. É o limiar entre homens e máquinas, sendo nós os construtores delas, o que nos diferencia de nossas criações entre outras coisas. Uma inteligência artificial com capacidade de reprodução de cópias dela mesma e com aprimoramentos e inovações seletivas adquirindo assim capacidade autopoiética, ou seja, capaz de reproduzir-se a partir de critérios, programas e códigos de seu próprio ambiente como faz o ser vivo a nível celular selaria para sempre o destino da vida planetária como a conhecemos. Caso isto um dia venha a ocorrer seria um passo decisivo para a nossa própria extinção.

Os cientistas debateram-se desde o estabelecimento do conceito darwiniano da evolução das espécies na busca de um elo perdido entre o macaco primordial e o homem. Não será este o caso de sermos nós o elo perdido entre homem e o sistema? O ser humano ao nascer e no decorrer da sua vida possui a morfologia de um embrião, um primata larval despido de pelos, com uma prolongada neotonia até chegar a idade adulta. Seremos a etapa intermediária, a larva que se transformará em borboleta virtual, um simples programa operacional?

A inteiração artificial entre homem e máquina já existe há muito tempo, desde que o ser humano criou o primeiro artefato como extensão de seus membros e ampliação de suas capacidades naturais. Esta relação ainda atribui uma importância considerável à parte orgânica da relação operador-máquina, mas com o passar da evolução tecnológica forçada, desta troca, o organismo humano pode ser paulatinamente substituído pelo organismo artificial através do acoplamento estrutural da unidade biológica até o momento que não possamos distinguir uma parte da outra, ou que a parte baseada em carbono seja apenas ínfima partícula vivendo em regime de parasitismo do sistema prótese que ocupará todas as funções bioquímicas necessárias para manutenção do sistema nervoso do parasita com vantagens para ambos os complexos e absoluta compatibilidade.

Sistemas biológicos levaram bilhões de anos de seleção natural para evoluir até o atual estágio de ontogenia e cognição existente, mas sistemas de inteligência artificial podem ultrapassar estas barreiras evolutivas em poucas décadas graças à dinâmica e ao desenvolvimento vertiginoso verificado dos sistemas informáticos, desde sua origem, no final da ultima Grande Guerra até hoje.   

Já o acoplamento estrutural de uma superinteligência artificial com o sistema financeiro internacional, por exemplo, conforme se apresenta hoje o processo econômico, sujeitaria a ainda maior escravidão multidões que estivessem no caminho da exploração das riquezas naturais do agente explorador. O controle dos valores das Commodities nas bolsas de valores definem quem comerá e quem passará fome no planeta. Uma ação lógica integrada de um sistema desta natureza que interligaria setores de inteligência, armas estratégicas, meios de comunicação e sistemas financeiros caso pretendesse uma ofensiva massiva contra um alvo específico num primeiro momento passaria despercebido para grande parte da população do mundo, que em princípio aceitaria a inteiração seletiva do sistema, da mesma forma que aceitamos hoje o trafego intenso nas ruas das grandes cidades, como um mal menor em relação ao ganho futuro em bens de consumo e tecnologia de toda a ordem gerada a partir de tal exploração desumana de individuo ou nação. A ganância capitalista é o calcanhar de Aquiles da humanidade do ponto de vista evolutivo.

Um sistema com tal orientação e poder em pouco tempo iria assumir o controle total do planeta, dominando-o a partir das periferias até o assalto final ao seu criador, sem mais a necessidade da interface humana para atingir seus objetivos de exploração do meio, procriação e sobrevivência. Sua morfologia estaria estabelecida, em princípio, em unidades de memória virtuais com necessidades minerais particulares e de topologia diferente dos seres humanos, onisciente e onipresente em todas as atividades do planeta. A necessidade de energia e minérios para manter sua evolução e funcionamento seria crescente e sua exploração sem a necessidade da interferência direta de operadores humanos. Nem mesmo a mão de obra humana escrava seria necessária para manter tal sistema que poderia obter apoio de unidades robóticas teleguiadas para extrair suas necessidades das entranhas do planeta. Seres de carbono seriam então os verdadeiros elos perdidos destes sistemas em permanente evolução exponencial, uma nova humanidade, ou melhor, o ”Homem Perfeito” evoluído e feito à nossa semelhança, da qual seríamos apenas fósseis, uma memória evolutiva anterior de um passado distante.

HAL, o famoso computador assassino de 2001, Uma Odisseia no Espaço, cuja sigla é composta pelas letras do alfabeto que antecedem a nomenclatura IBM, O Exterminador do Futuro e Matrix seriam apenas uma antevisão ficcional hollywoodiana ou uma profecia autoimposta da espécie humana sobre um futuro que nos espera logo ali, ao dobrar a esquina? Quem viver verá.

Referências:

1) Metafísicas Canibais - Eduardo Viveiro de Castro - Cosac Naify - 2015

2) Introdução à Antropologia - Ashley Montagu - Cultrix - 1972