Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social ) como todo o corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele também reflete e retrata uma realidade, que lhe é exterior. Tudo o que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo o que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia
(Mikhail Bakhtin, Marxismo e Filosofia de Linguagem)
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domingo, 9 de fevereiro de 2014

FUKUSHIMA - A Yakuza no Poder




DOMINGO, 9 DE FEVEREIRO DE 2014




Salvador López Arnal

Tradução: Renzo Bassanetti

Os cidadãos/ãs e coletivos de boa vontade e limpos de coração, ainda partidários da indústria nuclear e da energia atômica, não por pueril cientificismo, tecnofilia desinformada ou por interesses ocultos, mas sim por crença (inadequada) de que não há outra solução, por pensar que é a única fonte de energia viável a curto e médio prazo, e que a questão dos resíduos radioativos poderá ser solucionada em breve, e que a segurança do atômico ganhará e está ganhando muitos rounds depois dos últimos desastres, deveriam prestar atençao numa face pouco comentada que rodeia um de nossos maiores desastres industriais. É a seguinte:

Estando próximos a se completarem três anos da hecatombe nuclear mais importante da história da humanidade, novas arestas (anti-operárias, desumanas, selvagens, criminais, ímpias, mafiosas,...) de uma tragédia incomensurável vão saindo à luz. Situo-me no recente artigo de David Jimenez e Makiko Segawa [1], e lembro o quadro da situação: a corporação TEPCO e o governo japonês estão conduzindo a maior operação de limpeza radioativa jamais empreendida na história da Humanidade, realizando tarefas nunca efetuadas até o momento. Tentam descontaminar uma área equivalente à duas vezes a superfície da cidade de Madri. "Parques, fachadas, moradias, plantas, veículos abandonados e cada centímetro de terra estão sendo desinfetados com o objetivo de tornar habitáveis as cidades das quais foram evacuadas cerca de 150 mil pessoas". Por sua vez, centenas de trabalhadores continuam lutando para deter as fugas radioativas da central, que não deixou de verter água radioativa no Pacífico. Fukushima deixou de ocupar manchetes, mas continua descontrolada.

Sem renda e dormindo na rua, Tsuyoshi Kaneko, 55 anos, um trabalhador desempregado e empobrecido, recebeu em 2012 a primeira oferta de trabalho em muito tempo: 80 euros diários por uma vaga na limpeza na zona altamente radioativa da Zona de Exclusão Nuclear. Começou a trabalhar, sem máscara nem traje de proteção, "nos labores de descontaminação da hoje deserta cidade de Narra". Tempos depois foi destinado a um posto de controle encarregado de medir os níveis de radiatividade dos veículos que entram e saem da central atômica acidentada (recorde-se o caso de Shizuya Nishiyama, um indigente de 57 anos. Depois de uma longa vida trabalhando como peão de obra, as empresas construtoras deixaram de contratá-lo. Viajou de Hokkaido com a esperança de ser contratado nos trabalhos de reconstrução. Depois de um breve contrato temporário, voltou a ficar nas ruas e terminou dormindo entre pedaços de papelão na estação de Sendai. Mais tarde, passou de recrutado a recrutador, utilizando seus contatos entre os vagabundos da estação para captar mão de obra. Enviou alguns de seus amigos para trabalhos que poderiam ser perigosos. "Levam parte do seu salário, e a situação ali é difícil", mas acrescenta: "é melhor ser um trabalhador nuclear do que dormir rua em pleno inverno e sem comida"[2].

E, com Kaneko aconteceu o que tinha que acontecer, a crônica de um desastre anunciado: começou a ficar com a visão turva, e a perdê-la. Já não pode trabalhar e foi despejado. "Os médicos não encontram a causa de meus problemas, mas eu sei que é a radioatividade". Ele não é o único que teve problemas de saúde. "Muitos de nós que estávamos lá padecem das consequências", assegura Kaneko.

Aqueles "heróis", aqueles voluntários de Fukushima que receberam o Prêmio Príncipe de Astúrias de la Concordia por seu "valoroso e exemplar comportamento" já foram substituídos: o capitalismo nipônico entrou no comando e usou seu exército industrial de reserva: ele os substituiu por "mendigos, desempregados sem recursos, aposentados em dificuldades, pessoas endividadas ou jovens sem formação". Esses últimos trabalham em algumas ocasiões pelo equivalente a 5 euros a hora (menos que o salário mínimo da Prefeitura de Fukuhima). Pelos demais, aquela voluntariedade em sua face menos heróica. O Prêmio Príncipe de Asturias de la Concordia de 2011 foi um dos mais anônimos. Embora o Japão tenha mandado uma representação para recebê-lo, a maioria dos trabalhadores que salvaram Fukushima de um desatre maior não viajou à Espanha, não queriam revelar seus nomes. O juri do Prêmio os descreveu como representantes "dos valores mais elevados da condição humana, ao tratar de evitar, com seu sacrifício, que o desatre nuclar provocado pelo tsunami multiplicasse seus efeitos devastadores, esquecendo as graves consequências que essa decisão teria sobre suas vidas". Retórica perigosa e ocultista. Alguns deles chegariam a se declararem "pilotos kamikazes", dispostos a morrer para salvar a pátria do perigo. Um momento crítico da situação: quando Yoshida, o diretor da central nuclear, já falecido, rompeu a cultura corporativa de obedecer e calar e desobedecu seus superiores, que de Tóquio lhe pediram que deixasse de esfriar os reatores com água do mar, por que temiam que isso produzisse mais perdas econômicas. Mais perdas nesses momentos! Sua decisão de ignorá-los foi crucial para evitar uma fuga radioativa que teria colocado em risco centenas de cidades, de Fukushima até a Capital.



Há mais aspectos, todos horríveis, certamente: a obrigação de se desfazer de quem já recebeu o limite permitido de radioativada obriga a renovar a equipes. Constantemente e sem fim. As empresas de recrutamento contratadas pela corporação, por sua vez subcontratam, e "delegaram a captação de mão de obra barata"; negócio sempre é negócio, e dizem que a única corporação japonesa capaz de facilitar isso são os yakuza. A máfia, dizem, "mais endinheirada e secreta do mundo, passou a controlar o fornecimento de trabalhadores, beneficiando-se de parte dos 75 bilhões de euros que serão investidos na recuperação da área nos próximos anos". A TEPCO e o governo japonês ignoram a situação? Não sabem de nada? A vida de um trabalhador indigente vale a mesma coisa que a de um cidadão qualquer?

Não é um caso único na história recente japonesa. "O hampa controla há décadas o mercado de trabalho clandestino no Japão". As famílias yakuza tem a capacidade de mobilizar muitos trabalhadores em pouco tempo, e frequentemente se transformam na solução para empresas que empreendem grandes projetos. As redes criminais se encarregam de cobrar os salários e dão uma pequena parte para os trabalhadores". No caso de Fukushima, estes perdem até 80% do extra de periculosidade que lhes corresponde.

Os trabalhadores sem-teto somente recebem pelos dias que trabalham. Não tem seguro médico. São obrigados a pagar a sua própria comida. Não recebem treinamento. Uma vez que adoeçanm, como Kaneko, são descartados sem nenhuma compensação. O soldo de Takashi caiu pela metade depois que seus "amos mafiosos" decidiram cobrar-lhe até sua máscara de proteção. Liberdade da cidadania trabalhadora nipônica? Que liberdade?

Os indigentes são conduzidos aos reatores e a outras áreas sensíveis da usina sendo enganados. Recebiam doses de radiação superiores às permitidas, sem sequer saber que estavam em uma central nuclear. Vários deles já morreram ou adoeceram de câncer. As famílias continuam esperando uma compensação. Não será fácil consegui-la: enfrentam algumas das corporações mais influentes do Japão e do mundo. A exploração dos escravos nucleares se agravou. Obsolescência de seres humanos trabalhadores. Conforme cresciam as necessidades de Fukushima, a exploração foi aumentando. Mais de 50 mil trabalhadores já passaram pela Zona de Exclusão Nuclear. As previsões apontam para outros 11 mil anuais. Muitos trabalhadores japoneses estão desesperados. "Cartazes nas cidades próximas solicitam empregados, oferecendo "rendas adicionais" em comunidades onde, desde o tsunami, viram como o desemprego disparou". A TEPCO, apesar da situação, somente consegue cobrir dois terços de suas necessidades. Anunciou que dobrará os salários, até 140 euros por jornada, a lei da oferta e da procura, que construirá um complexo para melhorar a vida dos trabalhadores. Só rindo, trágicamente. Em todo o caso, a empresa admite que o dinheiro extra continurá indo para as empresas de subcontratação e, indiretamente, para as redes criminosas que as controlam [3]. Ordem é ordem!

As dificuldades para encontrar pessoal em um país com uma taxa de desemprego de 4% são boas notícias para os yakuza. À capacidade de recrutar milhares de trabalhadores, acrescentam o que é sabido: a intimidação criminal para evitar que abandonem seus postos. Nem sequer as doenças servem de desculpa.



Fonte: http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2014/02/exploracao-selvagem-desumana-e.html

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