Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social ) como todo o corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele também reflete e retrata uma realidade, que lhe é exterior. Tudo o que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo o que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia
(Mikhail Bakhtin, Marxismo e Filosofia de Linguagem)
Alguns comentários sobre o meio e a mensagem na internet.

sábado, 1 de abril de 2017

Cultura e Comunicação de Massa




Por: Julio Kling


O Homo sapiens adquiriu sua supremacia em relação às outras espécies de homens que coexistiram em seu ambiente até o início do Neolítico, entre outras coisas, a partir de vantagens genéticas evolutivas adquiridas que o dotaram de uma sofisticada e altamente especializada capacidade de comunicação, complexo linguístico e gestual que desenvolveu e aprimorou sua organização social, e em função disso, seus bandos adquiriram uma melhor capacidade organizacional em relação às outras espécies de homens então existentes levando-os a atuar de forma mais eficiente e em maior número no meio ambiente como caçadores coletores afirmam os estudiosos.


A dificuldade das demais espécies humanas em acompanhar este desenvolvimento, entre outros fatores climáticos e de meio ambiente, acabou levando-os à extinção deixando apenas uma indelével herança genética no DNA da humanidade. Não só foram extintas as outras espécies humanas existentes, mas várias outras espécies de animais da chamada megafauna também deixaram de existir no mesmo período, a partir expansão da introdução e do contato dos Homo sapiens, nas várias regiões do planeta onde seus grupos de caçadores coletores foram se introduzindo, conforme os vestígios arqueológicos de ossadas encontradas nos últimos tempos pelos pesquisadores do passado.

Comparação entre cranio de Homo Sapiens e Neanderthal 


Entre 70 a 30 mil anos atrás o Homo sapiens adotou um novo aliado interespecífico com quem desenvolveu uma alta capacidade de comunicação e sinergia na sua busca constante de proteína animal estabelecendo uma inusitada simbiose de sucesso entre duas espécies diferentes de mamíferos sociais e que igualmente vivem em bandos ou matilhas, que funciona até hoje. Com sons guturais, assobios e gestos produzidos pelos humanos estabeleceu-se um relacionamento, um processo de comunicação, entre os dois tipos de animais, para atingir seus objetivos comuns de caça, num tipo de relação, com certeza, em seus primórdios, igualitária, de respeito mútuo, e até mesmo temor místico, por parte dos Homo sapiens, relação que posteriormente evoluiu no sentido de impor a vassalagem aos canídeos em relação aos seus aliados primatas, de quem passaram a depender para alimentação e reprodução até a época contemporânea. Desta simbiose podemos suspeitar originou-se a domesticação dos demais animais de carga, corte e tração que sofreram o contato direto com confinamento forçado em vales e cânions a partir do pastoreio com a ajuda de cães, utilidade que permanece em muitas culturas.

Podemos estabelecer a hipótese de que as demais espécies humanas existentes que foram extintas não conseguiram desenvolver a mesma ligação interespecífica com estes animais e passaram a ser ou menos eficientes na caça de grandes animais ou presas dos cães, que se tornaram armas táticas extraordinárias para a captura e apresamento dos inimigos do Homo sapiens em sua conquista definitiva do meio, isto é, das linhas de caça de seus vizinhos, competidores de outras espécies humanas de caçadores coletores. Caçar e devorar os vizinhos, primatas também sagazes e que conheciam bem o terreno, exigia o auxílio e a perícia de um aliado que pudesse seguir pistas com precisão a custa de sangrentos prêmios inimagináveis de carne. Até hoje cães têm sido condicionados e utilizados com sucesso nestas atividades humanas de tiro, caça, guerra e apresamento de semelhantes, de forma fiel e eficaz, conforme nos conta a história da expansão humana no planeta. Daí talvez o tabu ou interdito estabelecido pelo costume no Ocidente em relação ao não consumo da carne canina como alimento no cotidiano e a ideia cultural difundida de que eles são nossos melhores amigos.

O conceito de cultura, enquanto processo dinâmico foi forjado pelo Homo sapiens em seus primórdios, dentro das suas comunidades, como fator subjetivo fundamental, de fundo subliminar, que estabelece padrões de comportamento através da linguagem, em sua totalidade, de compreensão de significados, como abstração, e envolve também seu relacionamento interespecífico com outros animais e vegetais do seu meio como ferramenta na luta pela sobrevivência e estabelecimento da predominância do DNA humano desta espécie particular na biosfera.

Esta supremacia foi estabelecida a partir de populações crescentes de Homo sapiens que colonizaram o planeta com sucesso, apesar da baixa expectativa de vida dos seus indivíduos e criaram meios para perpetuar seus conhecimentos através da tradição oral passada de geração para geração e posteriormente através da escrita. Manter bancos de dados e registros de acontecimentos importantes e descobertas provocou um salto exponencial na capacidade do Homo sapiens de aprimoramento tecnológico e proporcionou a invenção de cada vez mais ferramentas para domínio do seu meio dando origem às civilizações.



Cultura, Poder e Comunicação -

John Kenneth Galbraith -
Economista e filósofo do séc. XX de pensamento liberal


Sobre a Corrida Armamentista no séc. XX:

Mesmo nos altos círculos militares, há concordância de que esta competição de armas não pode continuar. Alguns farão a pergunta inevitável e difícil: O que tomará seu lugar? O que será dos muitos empregos que ela cria? O que substituirá o poder aquisitivo que ela gera? John Maynards Keynes propôs que o governo britânico pusesse pacotes de notas de libras em minas de carvão fora de uso até enchê-las. Isso criaria empregos. E muitos outros empregos seriam criados para aqueles que se encarregassem de cavar as minas para tirar o dinheiro de lá, sendo que muita demanda de mercado também seria gerada pelo gasto de todo este dinheiro. A sugestão jamais foi acatada; em vez disso no mundo pós-keynesiano, as despesas com armas - o ciclo de projeto e criação, produção, obsolescência, substituição - é que servem para este fim. Certa feita, eu chamei isso de keynesianismo militar.

Todo o economista franco e sincero reconhece que as despesas militares são para manter a atual economia em pé. Alguns afirmam que as despesas para fins civis - saúde pública, habitação, transporte de massa, impostos menores que levem a um maior consumo privado - também fariam a mesma coisa. A transição seria até bem fácil e simples.

Mas isso desconsidera a armadilha, a arapuca. E menospreza o poder econômico que sustenta o alçapão e o mantém fechado. Por trás de um novo bombardeiro tripulado, está o complexo militar industrial que estivemos examinando. Ele é forte e poderoso na defesa de seus interesses, e podemos supor que seja forte e poderoso também na União Soviètica. Por trás de melhores projetos habitacionais e cidades, não existe um poder semelhante, como também não existe uma competição do mesmo jaez. Só existe, em comparação, um vácuo.

Também se deve observar que existe um problema de grandezas ou proporções. Pelo preço de uma pequena frota de bombardeiros supersônicos tripulados, poder-se-ia construir um moderno sistema de transporte de massa praticamente em toda cidade suficientemente grande para ter importantes linhas de ônibus.

(...) Mas seria estultícia dos homens de responsabilidade e sensatez, tanto nos Estados Unidos como na União Soviética - de ficar de braços cruzados e aquiescer à atual situação de armadilha. É bom que esta situação de armadilha seja enfrentada diretamente (...)

(John Keneth Galbraith - A Era da Incerteza - 1980)     

A maioria das questões levantadas por John Keneth Galbraith, apesar do fim da União Soviética, continuam atuais neste período que inicia o séc. XXI. Vivemos hoje ainda mergulhados, independente de crenças pessoais, em um imenso oceano de informação, como peixes que não percebem a água que nos cerca ao redor, nem a imensa corrente que nos arrasta, ou até mesmo para onde leva a direção de seu fluxo. Nosso comportamento hoje profundamente influenciado pela cultura de massa  na verdade é condicionado pela indústria cultural em todas as camadas da população onde atinge, quase sem exceção, cada qual com seu nicho próprio de consumo de informação conforme sua complexidade ou sofisticação e seu estrato social como público alvo. A mensagem continua ser a do conflito permanente, agora como novos e antigos interlocutores, e da crise constante que subjuga o homem comum urbano como mão de obra excedente.

Dentro de qualquer processo de comunicação humana não existe mensagem sem conteúdo ideológico, viço moral ou religioso que deixe de atender aos anseios culturais do meio onde é veiculada e do seu público alvo. No sistema capitalista isso não poderia ser diferente.

Não só os conteúdos e as escalas de valores estão sendo impostos pelo novo sistema capitalista, mas também influenciam de maneira direta nosso comportamento cotidiano. Nossa proxêmica, isto é, o conjunto ou estruturação do homem em seu micro-espaço, seu comportamento comunicativo baseado em dimensões inter-relacionais de posturas, gestos, olfatos, sensações térmicas, auditivas, de orientação e de tato têm sofrido modificações evolutivas constantes em função da tecnologia de informação que se transforma em velocidade alucinante.

A informação envolve um todo dentro do espectro cultural. Através das mensagens estabelecemos elos com grupos afins e tentamos imitar falas, roupas e comportamentos sociais, como estratégia de camuflagem social, visando sermos aceitos pelo grupo que acreditamos fazer parte, às vezes de forma consciente, outras subliminarmente conforme o tipo de comportamento e da sociedade onde estamos integrados. Mesmo os comportamentos que consideramos singulares ou àqueles que prenunciam uma resistência ao status quo vigente fazem parte do espectro cultural de forma dinâmica. São indissociáveis do grupo social.

Conforme lembrou Malinoswky em relação às suas observações em campo junto aos povos naturais no início do séc. XX, o ser humano em sua condição natural utiliza como ferramenta o processo cultural para desenvolver e manter as práticas inerentes à sua sobrevivência no meio. Isto significa que o aprendizado de técnicas como fazer o fogo, por exemplo, são executadas por estes naturais dentro de um princípio científico pragmático enquanto processo cultural de conhecimento e que detêm todo o aprendizado do processo de sua fabricação visando atender suas condições vitais de sobrevivência e transmitem estas informações para as gerações vindouras para dar continuidade ao processo cultural em questão. Nestes termos o antropólogo é taxativo:

“Se se extinguissem a atitude científica e a estimativa dela mesmo por uma geração, numa comunidade primitiva, tal comunidade descairia para o estado animal ou, mais provavelmente extinguir-se-ia.”

O elevado nível de especialização da sociedade humana atual, que dependente exclusivamente de bancos de dados escritos ou digitalizados, e sua capacidade tecnológica individual declinante parece confirmar a tendência de fragilidade deste comportamento de permanência de longo prazo. Para traçar-se um paralelo significativo do ponto de vista histórico podemos lembrar como os nativos das américas foram subjugados pelos povos europeus de origem ariana. Os invasores ao introduzirem tecnologias desconhecidas, o aço e a pólvora, para os nativos, como as armas de fogo, não só sobrepujaram estes povos militarmente, mas também, apesar da rápida assimilação do manuseio de tais artefatos pelos nativos e sua assimilação e especialização no seu uso com perícia de tiro, seus esforços foram baldados pela dificuldade de copiar e produzir tais artefatos em produção de escala dentro do contexto cultural em que viviam, razão fundamental  de sua derrota final e aculturação.



É evidente que condição semelhante ocorre na atual cultura massificada pós Revolução Industrial. O elevado nível de especialização da sociedade urbana capacita o indivíduo para o uso de tecnologias cada vez mais complexas, mas o homem comum é incapaz de reproduzir tais aparatos sem especialistas e equipamentos apropriados, isto é, não pode apropriar-se da tecnologia que utiliza diuturnamente. Se amanhã ocorresse um colapso na sua produção o homem pós moderno estaria numa condição ainda pior que o nativo norte americano, pois sequer as condições básicas de sobrevivência, como fazer fogo, caçar, plantar a terra e construir abrigos estaria ao alcance dos seus conhecimentos, já que tais necessidades foram banidas de sua cultura eminentemente urbana.

Tal fragilização tem sido explorada pelos que detêm o capital e os meios de produção. Aprofundar esta dependência faz-se míster e assim a concentração de riqueza torna-se um fim em si para manter-se com cada vez mais consumo de itens e com isso intensificar a estratificação do poder entre as minorias que controlam os meios de produção como verdadeiras castas de tecnólogos e tecnocratas.

As consequências diretas desse processo cultural são evidentemente desastrosas e nocivas ao meio ambiente na exploração de recursos não renováveis em escala crescente e por extensão como agressão à biosfera de seus habitantes humanos ou não.

A partir da Revolução Industrial o indivíduo comum passou a ter duas utilidades para as instituições do poder e do capital que controlam os meios de produção: 1) Como mão de obra barata para execução de partes de processos de produção em série. 2) Como soldados infantes para lutar nas guerras de colonização ou disputas entre potências em litígio.

Entretanto com o advento da automação das linhas de produção a partir do final do séc. XX e início do séc. XXI a necessidade relativa à mão de obra barata deixou de ter relevância, do ponto de vista operacional, para as grandes corporações motivando as grandes dispensas verificadas nas plantas industriais e prestadoras de serviços, em seus países de origem.

As doutrinas econômicas elencadas por Adam Smith, Ricardo e outros no alvorecer da Revolução Industrial e posteriormente por Keynes no período entre guerras e no pós-guerra de facilitar o crédito para o grande capital e promover o arrocho salarial dos trabalhadores para evitar-se a inflação vem sendo alterado por uma nova perspectiva ainda mais aterradora com o fracasso dos estados e o abandono de suas responsabilidades sociais históricas inerentes ao cidadão que cada vez mais é marginalizado dentro do processo econômico, fenômeno que tem percorrido todo o mundo dito livre.

O neoliberalismo travestido de Nova Ordem Mundial nega estes direitos básicos como afirmação do velho dogma do poder do capital e da concentração de riqueza nas mãos de uns poucos. Este é o mais novo produto vendido pela indústria cultural como algo razoável. Hoje oito pessoas detêm 50% da riqueza mundial numa concentração de capital sem precedentes. Mas, como sempre, o funcionamento da economia exige a existência de um limiar diferencial. Para termos amos é necessário haver escravos. É exatamente neste ponto que a equação da exploração econômica do séc. XXI não fecha.


Sem a necessidade da mão de obra barata num mercado capitalista onde impera a lei da oferta e da procura estamos prestes a observar um novo fenômeno que já começa a atingir em cheio as sociedades urbanas que é o abandono social. A decretação do fim do “welfare state” e a desvinculação e sucateamento, via obsoletismo forçado, das estruturas previdenciárias existentes, de responsabilidade do estado com o cidadão comum, sela para sempre o fim da utilidade deste como mão de obra barata.

Por outro lado, sem as condições mínimas de moradia, saúde, educação e amparo aos mais velhos entre a maioria de uma população crescente, em escala geométrica, estaremos promovendo um colapso de grandes dimensões a médio e longo prazo onde nem sequer as minorias abastadas vão conseguir sobreviver. Daí a importância do conflito permanente promovido entre os povos e nações, como forma de manter o crescimento econômico da produção em escala.

Os progressos científicos mais relevantes foram sempre desenvolvidos durante e em função de necessidades militares surgidas em conflitos ou guerras, principalmente a partir do séc. XIX até nossos dias. Televisão, internet, sistemas gps, sistemas balísticos, veículos 4x4, ISO e mais uma infinidade de outras descobertas ocorreram por necessidades de uso militar crescente e organização dos contingentes bélicos.  

A forma clássica do consumo é a guerra. Nela temos a utilização de insumos e recursos que são eliminados e a corrida armamentista é a imagem perfeita do obsoletismo forçado na sua acepção mais pura. Produzir ativos para depois destruí-los ou torná-los obsoletos na escala de trilhões de dólares por ano, por enquanto, tem sido a saída dos países do Ocidente para remediar seus problemas econômicos crescentes. O estado absorve o déficit econômico com o esforço de guerra à custa do povo, enquanto as corporações do complexo industrial militar ficam com os lucros.

Para tanto é necessária a manutenção de uma potente indústria cultural que justifique ao homem comum tantos sacrifícios e gastos com estes aparatos bélicos tecnológicos. Produz-se farta cinematografia que explora o mórbido conceito de nacionalismo exacerbado do ser humano onde a bandeira nacional sempre aparece de forma subliminar ao fundo, o estrangeiros é sempre o personagem inimigo, e a causa é a liberdade que deve ser assegurada aos outros, seja lá quem forem.

Os meios de comunicação de massa são hoje centralizados pelas grandes corporações que anunciam não só produtos, mas impõem valores culturais que tornam o espectador, o público alvo, como ser cativo num processo ideológico que justifica o crescente caos, de preferência alhures dos grandes centros do capital, na sua periferia geográfica, onde antes se situavam suas colônias de exploração condenadas ao conflito permanente.

Este conflito permanente ocorre não só em territórios distantes do continente africano e asiático, como também nos arrabaldes dos grandes centros urbanos onde as populações foram migradas no objetivo de esvaziar grandes áreas de plantio para exploração do monopólio da agroindústria e do latifúndio cada vez mais automatizado no mundo todo.

As guerras de facções, o tráfico de drogas e de armas, e os demais comércios colaterais das atividades criminosas são até certo ponto tolerados até o limite de genocídios localizados promovidos pelos agentes da repressão do sistema visando liquidar lideranças incômodas que possam perturbar o “status quo”. Manter os grupos em conflito permanente evita de que algum atinja hegemonia sobre os demais.

A atividade econômica ilegal passa, cada vez mais, a ser integrada pelos meios de comunicação através de franca divulgação e absorvida pela economia formal, com uma tendência cada vez maior de ser integrada pelos estados como parte da geração de riqueza das nações européias e até mesmo nos EUA onde a atividade é crescente e concorre com os índices oficiais de crescimento.

Não existem processos estanques na comunicação do homem enquanto ser biológico. Como disse Macluhan: “O meio é a mensagem”

O Grande Conflito - Corporações X Estados-Nação - A mensagem a serviço do capital.

A evolução das monarquias para estados-nação ocorreu como consequência da ascensão da burguesia plebéia que deu origem ao mundo moderno. O contrato do grande capital com o poder facultou esta relação de dominação da classe trabalhadora nos países onde ocorreu  sujeitos pelo estado e pelo capital em comum acordo.

Para os estados modernos o capital burguês servia para ocupar a mão de obra crescente que abandonava os campos para os centros urbanos em busca de trabalho nas indústrias, depois de serem tangidos pelos grandes proprietários de terras apoiados pelo poder e suas leis de propriedade que favoreciam aos latifundiários. O processo de industrialização completou seu círculo com as linhas de produção e as grandes plantações que tinham o mesmo objetivo de exploração do meio e da mão de obra, bem como o fornecimento de matéria prima  sem limites para manter o funcionamento das máquinas em suas respectivas atividades de produção.

Para os estados este acordo firmou-se e prevaleceu porque as grandes corporações e seus representantes passaram a ter assento privilegiado nas decisões políticas em escala crescente nos últimos duzentos anos. Em todos os eventos históricos deste período o capital atuou como interlocutor e braço econômico do poder, como fiel da balança, nas expansões, guerras e explorações de novos territórios cumprindo seu papel sem necessitar limites éticos como os pretendidos pelos estados em suas proposições políticas nacionais. As corporações sempre fizeram o serviço sujo com o apoio irrestrito de governantes por elas indicados ou que faziam parte das mesas diretoras das mesmas enquanto cumpriam função junto aos governos.

Entretanto muita coisa mudou de lá para cá. Interesses que até então foram comuns passaram a se distanciar logo após a II Guerra Mundial com o ocaso do imperialismo europeu que momentaneamente privou as corporações de sua imensa fonte de matéria prima e mão de obra barata nas colônias e obrigou a criação de novas formas de exploração multinacional através dos grupos financeiros e seus agentes em contato direto com os prepostos que permaneceram no poder nas antigas áreas de exploração iniciando um novo processo de poder que dispensava o uso do estado. O liberalismo econômico veio em socorro e deu respaldo a este novo tipo de exploração. Já não é mais o estado-nação que define o objeto e o projeto desta exploração, mas a corporação que define o estado e seus representantes que são a ela filiados. Um verdadeiros golpe de estado em escala mundial. Grandes somas correm o mundo e estabelecem-se onde as condições de exploração são viáveis e tornam-se voláteis onde a mão de obra é cara ou o governo não é suscetível de cooptação.

Nem mesmo as grandes potências ficaram imunes a esta lógica sinistra. O endividamento dos EUA, índice histórico impagável que vai contra os interesses do próprio povo norte americano é uma evidência cabal da perda de poder real do governo daquele país em relação ao complexo industrial militar. Manter o conflito permanente ainda é o objetivo almejado por esses interesses privados independente da saúde financeira do povo e do país norte americano.

Vivemos hoje em uma encruzilhada enquanto habitantes deste planeta. Nunca os meios de comunicação alcançaram tantas pessoas no mundo todo impondo uma tendência de homogeneização das sociedades humanas em prol dos interesses econômicos de uns poucos.  A democracia como forma de governo do povo e pelo povo sofre um ataque mundial pelos interesses dessas minorias. A ofensiva do capital possui uma primeira linha crucial de ataque nos meios de comunicação onde se pretende criar um novo tipo de audiência cativa que se auto emula para adquirir bens de consumo em troca da busca da felicidade individual. Uma mensagem pode ser falsa, mas nem sempre o receptor tem capacidade para filtrar seu conteúdo quando produzida de forma altamente técnica e subliminar.

A privatização será uma tendência crescente onde as corporações assumiram o controle direto do estado. Isso já ocorre na maioria dos países do primeiro mundo. Todas as instituições políticas podem ser a longo prazo substituídas por Assembléias de acionistas e diretorias  com objetivos claros de exploração comercial e lucros em todas as atividades humanas, inclusive a guerra. Num futuro não muito distante poderemos antever exércitos controlados e comandados por empresas com objetivos coloniais, como já ocorreu nos séculos da exploração mercantilista da expansão européia, com uma diferença fundamental e terrível. Da mesma forma que nas linhas de produção paulatinamente não serão mais necessárias as massas humanas com sua mão de obra barata substituídas pela automação. Também as forças controladas pelas minorias que detém o capital poderão ser automatizadas ao ponto de criarem drones de todos os tipos para manter seu crescente poder.


Essa é uma das projeções prováveis para um futuro próximo levando em conta os interesses em ascensão em todo o planeta neste início do século XXI. A consequente e mundial perda de direitos, o abandono do welfare state pelos países europeus já não mais atemorizados com o perigo da expansão comunista, a despersonalização dos governos enquanto entidades democráticas segue sua marcha veloz em direção ao escravização de uma população crescente de forma gradual e constante através dos meios de comunicação controlados pela indústria cultural patrocinada pelas corporações e uma precarização da classe média que não possui mais utilidade como fiel da balança no controle e organização das massas mais pobres, nem como agente de informação, nem como formador de opinião. O curral urbano se materializa como realidade cada vez mais presente. Estamos vivendo hoje o limiar dessa nova revolução tecnológica, que substitui em todos os níveis homens por máquinas, e concentra cada vez mais a riqueza nas mãos de uns poucos privilegiados. A tecnologia de informação segue à serviço da tirania definitiva em busca de um Reich Milenar.



Dedico este curto ensaio ao meu filho Pedro Kling, o Pedro ALEM que no presente ano está cursando comunicação social. Que seja sua herança para a criação de um mundo diferente desta profecia distópica.

Bibliografia: 

1) Uma Breve História da Humanidade - Sapiens - Yuval Noah Harari - L&PM - 2016

2)Uma Teoria Científica da Cultura - B. Malinowsky - Edit Zahar - 1962

3) A Era da Incerteza - John Keneth Galbraith - Liv. Pioneira - 1980

      

2 comentários:

  1. Excelente análise, Julio. A maioria do que comentastes eu já to mais ou menos por dentro, mais tem vários detalhes e outras informações da história toda que eu fiquei sabendo, neste teu texto. Muito bom. Agradeço. Quanto mais luz nessa nossa luta, melhor. Só gostaria de fazer uma observação, que é sobre as saídas, ou possíveis saídas, caminhos a serem trilhados pra tentar mudar isto aí tudo que estamos vivendo, no mundo, que acho que devemos (quem ja tem bastante clareza sobre todo o processo político e social da humanidade) procurar saídas, mudanças, pensar em como (apesar de que já tem bastante grupos fazendo isso) fazer pra mudarmos este sistema de governo que é o capitalista. Essa história de vivermos através de compra e venda não ta dando mais. Claro que é uma coisa lenta, essa transformação, mas acho que devemos colocar mais forças nisto. No dia a dia, com tudo, desde o lixo às relações interpessoais e com todos os seres. Valeu. Abraço

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  2. Os caminhos alternativos são a democratização da tecnologia como processo gratuito e de acesso à todos sem distinção com mudança de práticas e ofícios pela classe trabalhadora para atividades de maior valor agregado intelectual ou artesanal de alto nível. Um retorno às origens do homo faber, com descentralização e abandono das urbes superlotadas que se tornaram inviáveis para pequenas comunidades com aplicação de tecnologias de ponta em telecomunicações e informática acessível para todos. O CAPITALISMO se tornará inviável ou possivelmente buscará a precarização e exclusão da mão de obra humana para tentar sobreviver num mundo cada vez mais conturbado de onde tirarão seus lucros.

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