Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social ) como todo o corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário destes, ele também reflete e retrata uma realidade, que lhe é exterior. Tudo o que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo o que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia
(Mikhail Bakhtin, Marxismo e Filosofia de Linguagem)
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terça-feira, 25 de junho de 2013

Os Cegos e o Elefante - O Dharma (a Lei) dos Ignorantes







Geralmente, vemos a célebre símile dos cegos e do elefante presente no Tittha Sutra (Ud. VI.4) livremente citada como um argumento a favor de abandonar toda e qualquer investigação, análise individual do Caminho em seu estudo, prática e fruição.

De fato, este sutra é muito valioso e importante, para ambas as tradições do Buddhismo do Norte e do Sul, sendo parte do volume do Udana, que juntamente com o Dharmapada, Itivutakka e Sutta Nipata, partes do Khuddaka Nikaya do Cânone Pali, constituem os textos mais antigos e traçáveis na história do Buddhismo, tendo sido compilados e escritos por volta de 200 anos após a morte do Buddha. No Buddhismo Tibetano, boa parte do conteúdo paralelo a estes está no Udanavarga, compilado por Dharmatrata e parte importante do currículo básico monástico tibetano até hoje.

Abaixo a símile do elefante, do Tittha Sutra (Ud VI.4):


“Certa vez, aqui mesmo em Savatthi, houve um certo rei que disse para um certo homem, ‘Reúna todas as pessoas de Savatthi que sejam cegas de nascença.”

“’Sim, majestade,’ o homem respondeu e reunindo todas as pessoas de Savatthi que eram cegas de nascença, ele foi até o rei e ao chegar disse. ‘Majestade, as pessoas de Savatthi que são cegas de nascença foram reunidas.’

“’Muito bem, então mostre-lhes um elefante.’“’Sim, majestade,’ o homem respondeu e mostrou um elefante para as pessoas cegas. Para alguns dos cegos ele mostrou a cabeça do elefante, dizendo, ‘Isto é um elefante.’ Para outros ele mostrou a orelha do elefante , dizendo, ‘Isto é um elefante.’ Para outros ele mostrou uma presa … a tromba … o corpo ... um pé ... a parte traseira … o rabo … o tufo na ponta do rabo, dizendo, ‘Isto é um elefante.’

“Então, tendo mostrado o elefante para as pessoas cegas, o homem foi até o rei e ao chegar disse, ‘Majestade, as pessoas cegas viram o elefante. Faça aquilo que julgar adequado.’

“Então o rei foi até onde estavam as pessoas cegas e ao chegar perguntou, ‘Pessoas cegas, vocês viram o elefante?’

“’Sim, majestade, nós vimos o elefante.’

“’Agora digam-me, pessoas cegas, como é o elefante.’

“As pessoas cegas para as quais havia sido mostrada a cabeça do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a um jarro para água.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrada a orelha do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a um cesto para trilhar.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrada a presa do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a uma lâmina de um arado.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrada a tromba do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual à haste de um arado.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrado o corpo do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a um celeiro.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrado o pé do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a um poste.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrada a parte traseira do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a uma argamassa.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrado o rabo do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a um pilão.’

“Aquelas para as quais havia sido mostrado o tufo na ponta do rabo do elefante responderam, ‘O elefante, majestade, é igual a uma vassoura.’

“Dizendo, ‘O elefante é assim, não assado. O elefante não é assado, é assim,’ eles golpearam uns aos outros com os punhos. O rei se deliciou com o espetáculo.

“Do mesmo modo, bhikkhus, os errantes de outras seitas são cegos e sem visão. Eles não compreendem aquilo que é benéfico e aquilo que é prejudicial.

Eles não entendem o que é o Dharma e o que é o não-Dharma.

Sem compreender aquilo que é benéfico e aquilo que é prejudicial, sem entender o que é o Dharma e o que é o não-Dharma, eles permanecem envolvidos em rixas e brigas, mergulhados em discussões, apunhalando uns aos outros usando as palavras como adagas, dizendo, ‘O Dharma é assim, não assado. O Dharma não é assado, é assim.’”

Então, dando-se conta do significado disso, o Abençoado nessa ocasião exclamou:

Alguns dos assim chamados brâmanes e contemplativos,
estão profundamente apegados às suas próprias idéias;
as pessoas que apenas vêem um lado das coisas
se envolvem em brigas e disputas.




Qual o contexto deste sutra?

Tal discurso teria sido dado pelo Buddha no Bosque de Jeta nas proximidades da cidade de Savatthi, aos seus discípulos monásticos que relatam o que viram na cidade comos os errantes de outras seitas/religiões se engalfiavam em suas especulações metafísicas do tipo:


“O mundo não é eterno” ...
“O mundo é finito” ...
“O mundo é infinito” ...
“A alma e o corpo são a mesma coisa” ...
“A alma é uma coisa e o corpo é outra” ...
“O Tathagata existe após a morte” ...
“O Tathagata não existe após a morte” ...
“O Tathagata ambos existe e não existe após a morte” ...
“O Tathagata nem existe, nem não existe após a morte.
Somente isso é verdadeiro; todo o restante é falso.”

Diante deste relato o Buddha conta para seus discípulos monásticos a história dos cegos e o elefante.

Só que a conclusão do Buddha não é uma exortação ao abandono da investigação:


“Do mesmo modo, bhikkhus, os errantes de outras seitas são cegos e sem visão.

Eles não compreendem aquilo que é benéfico e aquilo que é prejudicial.

Eles não entendem o que é o Dharma e o que é o não-Dharma.

Sem compreender aquilo que é benéfico e aquilo que é prejudicial, sem entender o que é o Dharma e o que é o não-Dharma, eles permanecem envolvidos em rixas e brigas, mergulhados em discussões"

Portanto, esta conclusão do Buddha que acompanha a símile nos exorta de fato à responder a nós mesmos, diante do seu ensinamento, em teoria, prática e fruição as seguintes perguntas:




Compreendo aquilo que é benéfico e aquilo que é prejudicial?
Compreendo o que é o Dharma e o que é o não-Dharma?

Somente quando estivermos certo da nossa resposta para estas perguntas, no centro de cada um de nós, seremos como um cego livre de sua cegueira, a ver de fato o elefante diante de nós.

Link para o Tittha Sutta: http://www.acessoaoinsight.net/sutta/UdVI4.php

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